domingo, 24 de novembro de 2013

David Harvey no Brasil


O geógrafo britânico David Harvey está no Brasil para um ciclo de conferências sobre o direito à cidade. Embora muito negligenciado, o reconhecimento da importância desse direito é fundamental para análises mais realistas da democracia face à dinâmica capitalista. Com essa observação, vai aí adaptação de um artigo de Harvey intitulado O direito à cidade:

Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um direito coletivo, e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.

A urbanização sempre foi um fenômeno de classe, uma vez que o controle sobre o uso da sobreprodução sempre ficou tipicamente nas mãos de poucos [pense, por exemplo, num senhor feudal]. Sob o capitalismo, emergiu uma conexão íntima entre o desenvolvimento do sistema e a urbanização.

Como em todas as fases anteriores, a expansão mais recente do processo de urbanização trouxe consigo mudanças incríveis no estilo de vida. Mas a qualidade da vida nas cidades agora virou uma mercadoria, num mundo onde o consumismo, o turismo e as indústrias culturais e do conhecimento se tornaram aspectos importantes da economia urbana. É um mundo em que a ética neoliberal de individualismo, acompanhada pela recusa de formas coletivas de ação política, se torna o modelo para a socialização humana.
Em vista disso, precisamos de um maior controle democrático sobre a produção e a utilização do lucro. E uma vez que o processo urbano é um dos principais canais de uso desse dinheiro, criar uma gestão democrática da sua aplicação constitui o direito à cidade. Ao longo de toda a história do capitalismo, uma parte do lucro foi tributada, e em fases social-democratas a proporção à disposição do Estado aumentou significativamente. O projeto neoliberal dos últimos trinta anos caminhou para privatizar esse controle.

No atual ponto da história, essa tem de ser uma luta global, predominantemente contra o capital financeiro, pois essa é a escala em que ocorrem hoje os processos de urbanização. Sem dúvida, a tarefa política de organizar um tal confronto é difícil, se não desanimadora. Mas as oportunidades são múltiplas, pois, como mostra esta breve história, as crises eclodem repetidas vezes em torno da urbanização e a metrópole é hoje o ponto de confronto – luta de classes — a respeito da acumulação de capital pela desapropriação dos menos favorecidos e do tipo de desenvolvimento que procura colonizar espaços para os ricos.
Um passo para a unificação dessas lutas é adotar o direito à cidade, como slogan e como ideal político, precisamente porque ele levanta a questão de quem comanda a relação entre a urbanização e o sistema econômico. A democratização desse direito e a construção de um amplo movimento social para fazer valer a sua vontade são imperativas para que os despossuídos possam retomar o controle que por tanto tempo lhes foi negado e instituir novas formas de urbanização.

* Texto adaptado. Publicado originalmente na New Left Review 53, Set/Out, 2008. Tradução da Revista Piauí.

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