quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Biografias

Faço campanha permanente por menos reducionismo e mais qualificação nos debates em geral. Não poderia ser diferente com a polêmica das biografias, que merece ainda mais ampla discussão. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a questão não é óbvia.  Definitivamente, não é óbvia a inconstitucionalidade do artigo do Código Civil que emperra a publicação de biografias não autorizadas. Por outro lado, a preservação da liberdade de expressão demanda a liberação total da publicação de obras de tal gênero literário, independente de apreciação prévia.
 
O ponto que deve ser mais destacado em relação ao assunto é o direito de resposta como desdobramento da liberdade de expressão e, por isso mesmo, um direito fundamental que não pode ser negligenciado ou rebaixado a uma espécie de direito de segunda categoria, como tem acontecido sistematicamente no Brasil.
 
A Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967) foi derrubada na íntegra pelo Supremo Tribunal Federal só porque, basicamente, se tratava de normatização produzida pela ditadura militar. Com isso, o Judiciário jogou fora, por tabela e irresponsavelmente, o que ainda prestava para alguma coisa na lei, a regulamentação do direito de resposta.
 
Em relação às biografias, o direito de resposta poderia ser satisfeito a partir da possibilidade legal de, mediante prazo razoável (definido abstratamente em lei e de acordo com o volume da obra), o biografado inserir comentários anexados à biografia, no próprio livro. Se não apresentasse os comentários, a publicação seguiria seu curso assim mesmo. A hipótese dessa possibilidade se mostra como um "caminho do meio" com potencial para evitar contendas judiciais, conflitos e inseguranças, e que resguardaria, acima de tudo, a liberdade de expressão.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

O salto

A gente não tem como saber se vai dar certo. Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato – pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito. Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente – você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes? Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira. Ou duas.

(...)

Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos. Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte – quem sabe, dê certo? Não é fácil. Tampouco impossível. E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar. Talvez nos esborrachemos. Talvez saiamos voando. Não temos como saber se vai dar certo – o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão –, mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

*Antonio Prata

Violências...

Meu ponto é muito simples: prefiro a violência manifestada à violência que, silenciosa, pretende não se identificar como tal. A ideia é que a primeira rompa com a hipocrisia da segunda, como já tratei aqui. Então, a violência manifestada só tem cabimento quando conscientemente orientada nesse sentido (ou, óbvio, por legítima defesa).

Não autoriza nem legitima a violência simplesmente tapar o rosto e se vestir de preto. É preciso que haja consciência, ou seja, um conjunto de ideias razoavelmente esclarecido e amadurecido sobre os valores que inspiram a ação. E isso, definitivamente, não existe entre a maioria daqueles que se reuniram como Black Blocs – muito diferente do que acontece em relação ao maior e mais organizado movimento social brasileiro, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sempre perseguido e hostilizado exatamente por seu grau de engajamento qualificado, apesar dos pesares (consciência política não se compra com o jornal, não é hereditária, não vem com o diploma universitário, de modismos nem do além).

Agora, se já queriam criminalizar os movimentos sociais, os black blocs dão motivos concretos. Não há substância que sustente a ação, que fica apenas no plano da imagem (vazia). Vi tudo acontecer na minha frente, eu estava lá em junho e até julho. E eis que o desencanto de muitos só vem agora...


Somos todos Aline Pacheco

Por Che Oliveira em 23/10/2013 (Observatório da Imprensa)

Sou nascido e criado na Rocinha. Fiz militância estudantil no Colégio Pedro II e na Universidade Federal Fluminense. Sei que isso não credencia ninguém, mas me deu, ao longo da vida, uma boa noção do que representa a desigualdade social na vida de uma pessoa, a importância de uma educação pública, gratuita e de boa qualidade, e claro, a responsabilidade de segurar uma bandeira durante uma manifestação.
No domingo (20/10), durante a realização de uma matéria sobre o leilão do campo de Libra, fui para a porta do prédio sede da Petrobras, no centro do Rio, onde pretendia ouvir sindicalistas acampados. O objetivo era, no mínimo, exercer aquele tal de “bom jornalismo”: dar voz aos dois lados de um mesmo assunto.
A alguns metros de chegar à passarela existente na Avenida Chile, sou advertido por um militante partidário sobre a existência de recém-libertados da prisão no acampamento. Seriam os presos durante a manifestação do dia 15 de outubro, na Cinelândia. E não queriam nem ouvir falar de imagens deles. Seria preciso negociar. Como minha intenção era ouvir sindicalistas, era questão de explicar a situação, como sempre fiz em situações semelhantes. Exercício do diálogo aprendido em assembleias, plenárias etc.
Tal é minha surpresa ao me deparar com a ausência de lideranças e ser cercado, xingado, cuspido, agredido e expulso de um local (público, diga-se de passagem) por um grupo de jovens. Um deles fazia questão de gritar no meu ouvido que eu era “fascista”, “vendido” e “burguês”. Nossa equipe (quatro homens) saiu às pressas antes de um linchamento. Não faz parte do meu manual revidar nesse tipo de situação. Saio e vou embora. Não adianta. O surdo ali não sou eu.
No dia seguinte, durante a manifestação próximo ao hotel onde era realizado o leilão, diante da inoperância das forças de segurança, que só sabem jogar bombas de gás lacrimogêneo e atirar balas de borracha em qualquer coisa que se movimente (em vez de – quando isso vai acontecer? – identificar, isolar e prender os vândalos e mascarados que só sabem criar tumulto), vejo um carro de reportagem sendo depredado. O veículo foi tombado e houve ainda uma tentativa de incendiá-lo.
Repórter agredida
O mais grave eu saberia depois. Uma equipe de reportagem mal chegava ao local e acabou cercada. A repórter Aline Pacheco, conforme seu próprio relato, depois receber empurrões de um agente da Força Nacional de Segurança e ter recebido voz de prisão por ultrapassar a barreira estipulada pelos militares (ou seja, jornalista também apanha da polícia), foi avisada por um manifestante: “Moça, sai daí que aquele grupo [e apontou] quer bater na imprensa.”. Não deu tempo nem de correr. Um homem de quase 1,80 m, mascarado e usando camiseta vermelha, desandou a ofendê-la, mandá-la pra todos os lugares (não faltou o “imprensa fascista”) e armou o soco. Tinha o apoio de outros quatro. A jornalista conseguiu desviar o rosto, mas foi golpeada no omoplata esquerdo e caiu. Para escapar de outro soco, se protegeu com o microfone. Os agressores só desistiram porque uma bomba de gás lacrimogêneo foi lançada pelos policiais na tentativa de dispersar o grupo. O ombro dela tinha saído do lugar.
Curioso foi ver, horas depois, um vídeo no YouTube (de uma organização que diz defender um novo conceito de democracia, seja ele qual for) que mostra um manifestante ferido e alguém gritando: “Chama a imprensa, jornal, grava isso aqui”. Claro, quem protesta de cara limpa não pode ser relacionado aos mascarados responsáveis pelas agressões e depredações, sejam elas ao mobiliário urbano ou à imprensa. Mas fica uma pergunta aos sindicalistas do setor petroleiro: apoiam esse tipo de atitude? Se não, por que deram abrigo a quem expulsa jornalistas de ocupações organizadas por eles? Ou vale a cultura de dois pesos e duas medidas, como fez o Sepe ao dizer que a participação de mascarados nas manifestações dos professores foi aprovada em assembleia?
Enfim, não foi para ver um bando de representantes da Geração Danoninho me dando empurrão em frente à sede da estatal que representa o Estado brasileiro defendido por mim desde a adolescência que ocupei as ruas para defender Passe Livre para os estudantes da rede pública de ensino. Não foi para ter medo de sair na rua e exercer o direito de querer informar nem para ver colegas de imprensa agredidos covardemente que organizei passeatas no Fora Collor.
Não é à toa que uso o nome do revolucionário argentino-cubano para a profissão que abracei.
Mascarado, não serei nunca.
E repito o que disse o jornalista Fernando Molica, no Facebook:
“Passei a bloquear qualquer pessoa que tente relativizar ou justificar agressões a quem quer que seja: jornalistas, manifestantes, pipoqueiros, médicos, porteiros, policiais, bandidos, professores, alunos. Trata-se de um princípio básico de respeito aos direitos humanos. Insisto que ninguém tem o direito de dar porrada em ninguém. Nazistas e assemelhados é que se achavam no direito de justificar agressões e assassinatos de judeus, negros, homossexuais, ciganos, socialistas, comunistas. Muitos que se dizem democratas e mesmo de esquerda também acreditam ter o direito de agredir; outros tentam justificar as agressões. Não são democratas, não são de esquerda, não são bem-vindos aqui.”
P.S.: Como se sabe, o capitalismo é eficiente em destruir supostos símbolos de resistência ao sistema. E pelo visto, os Black Blocs são os alvos da vez. Morri de rir com essa notícia (http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/10/barbara-paz-faz-ensaio-fotografico-inspirado-no-black-block.html). Primeiro porque, apesar de gostar da Bárbara Paz, o ensaio é patético. Depois, só prova que um pouquinho de inteligência evitaria a transformação de algo dito revolucionário em goma de mascar.

sábado, 26 de outubro de 2013

O velho e o novo

Haja
hoje
para
tanto
ontem.
(Leminski)

A vida traz o novo e o velho ao mesmo tempo,  é entropia e neguentropia. O velho predomina tanto que minha impaciência é quase manifestação de burrice. Com o tempo, por simples observação,  deveria sumir essa esperança ansiosa fundada na certeza de que é possível renovar.

A expectativa (de vida?) aumenta, e o máximo de oxigenação que existe parece estar nos cabelos. Por outro lado, dizem que a causa do envelhecimento reside justamente na morte dos velhos, pois, quando uma pessoa nasce, vai passar a vida reconstruindo o que já havia sido feito por quem já partiu, em um movimento reiterado, repassado, antigo, sem o prosseguimento que os velhos dariam se vivessem mais e mais. Neste caso, o novo tende ao velho. Não falo apenas do alto de um conjugado em Copacabana, mas para quem possa ver que não há saída sem conhecimento histórico.

E, falando nisso, como por descuido, o esquecimento se instalou quando a beleza do novo apareceu. 

Ah! Nada como experimentar uma catarse, passar a noite em claro, acordar ao meio dia e curtir ressaca moral em um sábado nublado. Nada como um dia após o outro.




quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Por falar em Marx...

Divido assim: há os cientistas políticos que têm visibilidade só porque falam na Globo News e afins, típicos intelectuais orgânicos. De outro lado, há os cientistas políticos que se destacam por sua contribuição acadêmica e social, como Fabiano Santos, autor do seguinte artigo publicado ontem no blog Carta Maior (já que falei de Marx aqui ontem mesmo...):

O desafio da esquerda (sobre os protestos de junho)
     

Um esquecimento dos achados mais relevantes da obra de Marx é o mínimo que se pode dizer sobre a atuação de boa parte da esquerda nos protestos de junho.

 
“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”. A frase consta do primeiro parágrafo da clássica obra de Karl Marx, O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Segundo o genial analista político alemão, as circunstâncias são essenciais para entender o sentido e efeito das escolhas e os cursos de ação tomados pelos indivíduos e grupos sociais. Circunstâncias podem ser entendidas como um conjunto de fatores que escapam ao desígnio dos agentes da história, isto é, que não dependem de sua vontade, mas que, no entanto, serão determinantes para o resultado final do processo. Processo aqui entendido como conflito, como disputa e alianças entre indivíduos e grupos tendo em vista a defesa de seus interesses, valores, ideias e identidades.

Nada mais importante na atual conjuntura brasileira do que revisitar o ensinamento de Marx contido em sua brilhante análise de conjuntura. Na França revolucionária de meados do século XIX, classes e frações de classes, grupos e facções políticas, cada um agindo na direção de maximizar seus interesses, da conquista de seus ideias e valores mais caros, acabaram por produzir resultado não desejado por ninguém, resultado, ademais, que em nada traria de novo na vida política francesa de então: trouxe sim o retorno do déspota, do estado autoritário e do golpe como instrumento de tomada do poder. Nem o sobrenome do ditador, no caso, encerraria alguma novidade.

Por que o ensinamento é importante para o momento atual, relevante, em suma para se pensar a política brasileira neste início do século XXI? Total esquecimento dos achados mais relevantes da obra política de Marx é o mínimo que se pode dizer sobre a atuação e discurso de boa parte da esquerda brasileira, sobretudo, a partir das manifestações ocorridas em junho do corrente ano. Quando Marx, no 18 Brumário, se refere às “circunstâncias”, fator chave para o sucesso da ação política, tinha duas coisas em mente: correlação de forças e estrutura social. Uma boa estratégia política é aquela que observa seus contendores e possíveis aliados, bem como os recursos com os quais contam, sendo os atores participantes do jogo, assim como seus recursos em boa parte decorrência da estrutura social.

A estrutura social brasileira hoje é fruto do tipo de capitalismo, com forte participação do estado, que temos desenvolvido desde a revolução de 30, com suas transformações e permanências. Seus atores sociais e políticos mais importantes advêm desta trajetória, sendo qualquer agenda minimamente factível de desenvolvimento dependente em alguma medida de um comportamento cooperativo destes. O papel da política democrática, bem como o de suas instituições é exatamente o de servir de mediação dos interesses em conflito de forma a gerar pautas socialmente inclusivas e de expansão econômica, pautas que contem com boas chances de aprovação e realização.

Plausível, portanto, sustentar que a superação dos obstáculos ao crescimento e ao estabelecimento de políticas públicas eficientes de inclusão social depende da criação de contextos de cooperação e explicitação de divergências entre os principais protagonistas de cena econômica e social. É plausível também sustentar que a Constituição de 88 fornece excelentes instrumentos aos governantes para o estabelecimento de tais contextos. Se é assim, a pedagogia política que ficou das manifestações de junho não é boa. Intolerância, grito e depredação são seus instrumentos. Idealismo e voluntarismo, sua inspiração teórica. Decepção e surpresa, a continuar a tergiversação esquerdista, serão seu provável resultado. 

(*) Cientista político, professor e pesquisador do IESP/UERJ
 

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Atualizando O Capital

Posso dizer que existe uma obra literária que mudou cabalmente a minha vida: O Capital, de Karl Marx. Há muitos aspectos que dizem respeito a uma crítica dos desdobramentos que essa obra fundamental produziu no mundo, é óbvio. Mas o mais importante é que sempre se reconheça e se destaque que se trata de um clássico da literatura política e, portanto, por definição, de um texto atual. Se quisermos entender o mundo em que vivemos, ainda "capitalistíssimo", não dá para ignorar Marx.
 
Acontece que algumas coisas mudaram do final do século XIX para cá. O capitalismo se desenvolveu até que chegamos aqui, na sociedade de informação, em que o valor é acrescido pelo conhecimento, correspondendo a um tipo de trabalho diferente do que o que  Smith, Ricardo, Say, Sismondi e todos os demais “pais fundadores” da ciência econômica tinham em mente sobre o valor-trabalho. Então, claro, esse desconto teórico também vale para Marx. Somente desde a segunda metade dos anos 1990 parece ficar teoricamente mais clara a nova fase do capitalismo em que entramos, o capitalismo cognitivo, em que o trabalho imaterial e tudo aquilo que está ligado à inovação se encontram no cerne de um padrão de acumulação no qual os processos reprodutivos se tornam imediatamente produtivos, emancipando-se da ordem (fabril) do trabalho assalariado. Por outro lado, a financeirização da economia complementa esse deslocamento: a venda de produtos com valores agregados de maneira cada vez mais forjada pelo trabalho imaterial é oferecida na base de juros e muito dinheiro virtual, sem base real. Daí a crise econômica mundial que experimentamos, sem previsão de acabar.

Nessa nova fase, não dá para negar a contradição ainda mais forte entre trabalho e capital quando observamos a dificuldade de manutenção de um padrão de controle monopolizado da produção, que, agora, se dá muito mais em rede – daí a dificuldade em se manter um sistema pautado em propriedade, sobretudo a intelectual. Com a internet, estabelece-se um novo paradigma com franca tendência ao compartilhamento livre de informação, justamente o ativo mais valioso e estratégico que movimenta o mundo. Mas... livre compartilhamento do que há de mais valioso? Aonde vamos com isso? Bom, com direito a memes, fica a deixa para uma reflexão.



 

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Homens como pacificadores

Após a comunidade de Duluth se chocar com uma série de assassinatos cometidos por homens nos anos de 1990, cidadãos se reuniram para discutir o combate à violência local, mas a maioria presente era de mulheres. Isso preocupou alguns dos homens, que convocaram um retiro de 55 homens da área para discutir seus papéis e suas responsabilidades para diminuir a violência. Uma das iniciativas que nasceram do encontro foi a Men as Peacemakers, cuja missão é ensinar alternativas não violentas a homens e garotos, e que a violência é inaceitável.
 
“Isso é endêmico”, diz Ed Heisler, diretor executivo da Homens como Pacificadores, sobre as estatísticas de violência sexual e abuso doméstico. “Esse é o ar social que os jovens estão respirando enquanto crescem. A mídia, o ambiente esportista, o jeans, os adultos que vendem jeans, os pais, as professoras que temos nas escolas, os líderes religiosos – todos criam um ambiente que normaliza a dominação e o controle do homem.” Ele escolheu a palavra certa: endêmico. “É assim há algum tempo e permanecerá assim até que algo no ambiente social mude.”
 
"Se queremos ser pacificadores, devemos nadar contra a corrente e criar o espaço necessário para criarmos nossos filhos com empatia e compaixão." O desafio maior está na criação dos filhos, em como criar homens.
 
 
 
Fonte: Revista Fórum, original em Yes! Magazine.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Era (sou) eu

Fitou a imagem. Não se lembrava de nada. Espelho, foto, foto, espelho. Retrato ou reflexo, não é sempre uma alteridade?

1987
Então furaram as orelhas, vestiram de rosa, disseram "fecha as pernas!", "anda que nem mocinha!" e um excesso de nãos. Deram bebês de plástico e panelinhas, mostraram exemplares princesas passivamente arrumadas à espera de um príncipe quase messiânico, venerável, garantidor de felicidade para sempre. Seja santa, seja meiga, seja mansa, delicada, burra e padronizadamente sexy. Tenha muito medo de não ser assim, te chamarão de puta. Ai, que horror! Procure ser boazinha, acostumando-se com a eterna maldição. Conforme-se com sua condição e seu lugar social de fundo. Você é a representação do diferente, do outro, não queira se igualar. Seu prazer é outro, seu modo de ser é outro.

É sempre uma alteridade.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Do padrão do gosto (para além de Hume): a ideologia


Artaud escreveu que a arte não é a representação da vida, mas a vida é a representação de um princípio transcendente com o qual a arte nos põe (novamente) em contato. Se entendermos as expressões “representação da vida” e “princípio transcendente” não em termos conceitualmente rigorosos, mas lhes concedendo certa dose de licença poética, poderíamos reescrever a sentença no sentido de defender a seguinte ideia, de inspiração lukácsiana: a grande obra de arte é aquela que melhor reproduz, ou expressa, o essencial da realidade, que envolve as aparências mas não se limita a elas, dando conta igualmente do jogo de potências latentes, não manifesto, na imediaticidade, na cotidianidade, na forma de um realismo não naturalista, dado que a realidade engloba aparência e essência em sua relação dialética.

A grande arte, assim, seria a depuração do inessencial, do acessório, de modo a concentrar nossa atenção e sensibilidade naquilo que, no próprio cerne da imediaticidade, a transcende.
Assim, poderíamos parafrasear Artaud e afirmar que a arte não é a representação da vida em sua cotidianidade, em sua imediaticidade, mas a vida cotidiana é que favorece uma representação superficial da densa, rica e complexa dinâmica da realidade, com as quais a arte nos põe novamente em contato, de forma sensório-cognoscente.

A grande mídia comercial, em geral, faz o contrário disso. E faz mais, pois, seja no terreno da arte, seja no da informação, admitindo que a aptidão avaliativa das pessoas não nasce com elas, ela não só fornece o repertório da maior parte daquilo que será avaliado, mas os próprios termos da avaliação, a partir de critérios ideológicos (e contábeis) não explicitados. Considerando, ademais, que sua ação não se dá somente no nível intelectivo, mas também, e talvez principalmente, no afetivo, ela forma os gostos, e os gostos constituem a base sensível da ideologia, sem a qual ela não “cola”. 
*
(SCHNEIDER, Marco. A captura do gosto como inclusão social negativa: por uma atualização crítica da ética utilitarista. http://www.sesc.com.br/wps/wcm/connect/5254eb81-39a4-4a4b-bb92-6710645bf424/17.pdf?MOD=AJPERES&CACHEID=5254eb81-39a4-4a4b-bb92-6710645bf424).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Pelo amor do sutiã em chamas

No meio de um turbilhão de coisas a fazer, logo agora minha "paralisia" chegou ao fim. Ideias surgem a todo instante e não dá tempo de escrever. Dá, pelo menos, para compartilhar garimpos da internet assim:

A atração sexual por mamas não é natural, mas cultural e, acima de tudo, não legitima assédio e desrespeito.

"Entrevistei uma jovem antropóloga trabalhando com mulheres em Mali, um país da África onde as mulheres andam com os seios nus. Estão sempre amamentando seus bebês. E quando ela lhes contou que em nossa cultura os homens são fascinados por seios, houve um instante de choque. As mulheres caíram na gargalhada. Gargalharam tanto que caíram no chão. 'Quer dizer que os homens agem como bebês?', disseram."

- Carolyn Latteier, in Berman & Berman's TV program "All about breasts", aired June 4, 2002. (Vi amigos divulgando mais cedo e achei a fonte original.)

Enquanto isso, no Facebook, um mamilo tem vida curtíssima, mas só se os censores desconfiarem que é feminino: http://www.feministacansada.com/post/45862863637 E em alguns lugares, uma mulher amamentar o filho em público é considerado uma coisa obscena.

Peitos assassinos? Mamilos polêmicos? Crianças que vêem as buzinas-de-Vênus viram psicopatas? Os saquinhos-de-leite-de-Jesus são considerados obscenidades por razões completamente culturais, que além disso são razões burras, totalmente sem sentido, que só servem para limitar liberdades. Mamas livres para quem quiser expor: legalize já. Especialmente quando a exposição é efeito colateral de alimentar uma criança, pelo amor do sutiã em chamas.

*Da página do Eli Vieira no Facebook.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A culpa é da mulher

O viral mais bacana da semana ironiza a culpabilização da mulher pelos abusos que sofre:

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Da série "a utopia da democracia"

A notícia é da semana passada, mas voilà: a Revista Popular Science -- isso mesmo, "popular" -- anunciou o fechamento da caixa de comentários aos artigos de seu site. A publicação científica americana alegou, com base em pesquisas, que os comentários prejudicam o desenvolvimento da ciência. A editora de conteúdo on-line Suzanne LaBarre explicou que a publicação está há 141 anos tentando fomentar o debate sobre ciência e tecnologia entre a população, mas que trolls e spammers vêm tornando a tarefa inviável. Ela reconhece que esse problema atinge a todos os sites e que, pelo menos no caso da Popular Science, muitos dos comentários são bons, provocativos e agregam informação. Contudo, uma minoria barulhenta muda a percepção dos leitores sobre uma história, conforme demonstrado em pesquisa.  Conclui-se, então, que comentários ajudam a formar a opinião pública, que por sua vez ajudam a formar políticas públicas. E políticas públicas decidem quais pesquisas devem ou não receber investimentos. E mesmo uma minoria barulhenta tem poder suficiente para mudar a percepção dos leitores de uma história.

O problema apontado dá mostras de como o ideal democrático de participação popular é utópico. Se  atrapalha até o desenvolvimento científico (que é super rígido), muito mais grave é a repercussão na formação da opinião pública em geral. Ainda assim, me parece um mal necessário ao longo processo de emancipação popular que está em curso, e vetar a livre manifestação das múltiplas opiniões seria vetar o próprio desenrolar desse processo. Ainda estamos na idade média da democracia e, mesmo sem autoridade alguma para falar, talvez seja melhor cultivar paciência.


 

Ouvindo Janta

Com licença para mais pieguice, só mais esta. É que estou ouvindo "Janta" e achei que valia a pena compartilhar.