quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Assombradamente

À primeira vista, encontrá-lo pareceu milagre. Mas milagre seria não vê-lo assim. Eu enxerguei tudo de longe e não havia medo, só certeza. Ainda procuro guardá-lo no não-lugar que habito, um mundo particular agridoce que combina realismo e alucinação.
Conheço bem essa minha esquisitice. Já era sintoma da fusão de ambivalências o gosto pela política, mistura de esforços cognitivos para considerar o que se passa na vida com a imagem de como o mundo poderia ou deveria ser. Permaneço, assim, sempre equilibrada entre o chão que piso e o infinito do horizonte. Assombradamente. Ou à sombra da mente?

Quem será o autor dos truques quando pensar e sentir não se separam?
 

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Aos de direita

Ainda preferindo poupar meu latim, endosso ipsis litteris estas notas de Leandro Fortes:
 
Atenção, queridos e velhos amigos de direita:

1) Sim, eu já li "A Revolução dos Bichos" e, infelizmente, continuo de esquerda – aliás, como era o autor do livro.


2) Sim, assim que eu puder, eu vou para Cuba. Adoro o visual e a história de Cuba, sem falar na música, na comida, no clima e no sistema de saúde.

3) Não, eu não estou falando sério quando apoio o Golpe Comunista de 2014. Quem acredita nisso não é de direita, é idiota. Ou os dois.

4) Sim, eu sou a favor dos votos infringentes, não porque apoio mensaleiros petralhas, mas porque acredito, ainda, na Justiça.

5) Não, eu não chamo o golpe militar de 1964 de revolução. Sou muito novo e, principalmente, bastante instruído para isso.

6) Não, as indenizações para familiares de mortos e desaparecidos políticos da ditadura, assim como para aqueles que por ela foram perseguidos, só é bolsa-ditadura para quem tem a Veja como única leitura de cabeceira. Bolsa-ditadura é o que o coronel torturador Brilhante Ustra recebe todo mês do contribuinte brasileiro, desde 1970, disfarçado de soldo.

7) Não, o MST não é uma organização terrorista que promove invasões e agride a propriedade privada. Terrorista é o latifúndio, instituição que mata, aleija, exclui e produz miséria e violência desde o Brasil-Colônia.

8) Sim, sou a favor das cotas raciais, porque há uma enorme distância entre ser pobre e ser preto (e pobre) no Brasil. Quem não entende isso, ou nasceu e vive até hoje dentro de um shopping, ou é burro mesmo.

9) Sim, eu tenho certeza que quem diz que não existe direita nem esquerda desde a queda do Muro de Berlim é, envergonhadamente, de direita.
 
Saudações socialistas.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Tipo o escafandro e a borboleta


Não consigo mais escrever. Não é pelo dedo do meio da mão direita cuja articulação passou a doer. Não é porque pedalar nunca foi tão bom. Não é pelo metabolismo a mil que me faz viver morrendo de fome. Não é pela taquicardia que me confirma a vida. Não é pelo sono profundo que vem em seguida. Não é, tampouco, pela respiração forte ou pela angústia. Não é pela espera. Não é pelo silêncio eloquente, pelas besteiras que falo, nem pela gagueira. Não é por mim. 

É só paralisia externa tentando encarcerar a alma que escapa pelo olhar. 

Como no filme, haverá paciência para me ler em tais comprometedoras condições? 
Querendo, pisquei aqui duas vezes.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Sobre direito x abuso de direito

Bruxelas (Bélgica) acaba de estabelecer que impropérios, denominados “insultos verbais na rua”, renderão multa que variará de 75 a 250 euros. Poderão ser aplicadas por policias quando o agressor for flagrado cometendo o insulto, ou após investigação policial mediante denúncia da vítima ou testemunha. A medida, tão importante para o combate à violência contra a mulher, foi tomada só depois que uma estudante de cinema, Sofie Peeters, gravou um documentário intitulado “Femme de la Rue” (A mulher da rua). Durante meses, ela filmou com uma câmera caseira os insultos que ouvia de homens na rua. O que se vê e ouve é chocante, mas muitíssimo familiar a milhares de mulheres.
A medida, que certamente não é suficiente por si só, é uma boa forma de começar a combater esse absurdo. Além do ato em si, que ofende e machuca, o que mais preocupa é a tolerância das pessoas. Ainda é natural, para muitas pessoas, presenciar comentários de estranhos sobre a aparência de uma mulher ou, pior, palavras em que o agressor afirma o que gostaria de fazer com ela se tivesse oportunidade. Até quando?
Obviamente que apenas a repressão não basta. É necessário educar. Mostrar o quanto isso humilha a dignidade tanto de quem ofende quanto de quem é ofendido. Que isso não é normal. Que abre precedentes para atitudes mais violentas, como uma “passada de mão” ou o sexo forçado em si. Mas é importante que este tipo de atitude tenha punição. Para que se saiba que a vítima pode denunciar, e que o agressor terá de pagar, literalmente, pela sua falta de educação, sensibilidade e respeito.
Pegando esse gancho, é preciso que se compreenda que também os olhares desrespeitosos não podem ser tolerados. Muita gente resiste a essa ideia ante o argumento de que qualquer um tem direito de olhar para quem quiser. Sim. Existe esse direito, assim como o direito de falar para quem se quer. O problema é o abuso desses direitos. Uma coisa é olhar; outra, é olhar com desrespeito — muitas vezes correspondendo a um insulto verbal. É humilhante e fere igualmente a dignidade de uma mulher que está apenas transitando em via pública, seja de burca, biquíni ou usando qualquer outra vestimenta. Entender a diferença entre direito e abuso de direito é fundamental em matéria de respeito.
*adaptado do blog Mulherio, do Gazeta do Povo.



quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Porque my pussy é o poder

Nascemos para sermos livres e temos tudo para colocar o prazer no centro de nossas vidas. Ainda assim, (repito porque é necessário) as mulheres enfrentam uma história da humanidade inteira de repressão desembocando em um presente esquizofrênico que bipolariza o tempo todo entre alguma liberdade e ainda muito tabu/preconceito – como disse Leminski, "haja hoje para tanto ontem". Então, cai muito bem assistir ao interessante documentário abaixo, que aborda o tema da sexualidade feminina exatamente como merece: de maneira direta, clara, simples e sincera. A qualquer um, vale a pena conferir.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Tudo que é sólido se desmancha nas redes

"Para termos uma nova sociedade precisamos construir uma nova cultura e uma comunicação nova."
 
Por Yuri Soares Franco
 
Nos últimos dias tem sido grande o debate sobre a Mídia Ninja e o Fora do Eixo.
O Fora do Eixo é uma rede de trabalhos criada por produtores culturais que estimulam a circulação de artistas e produtores, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos.
A Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um coletivo de jornalismo em rede que produz e distribui conteúdo de forma independente e dentro dos acontecimentos, sendo especializado na cobertura de mobilizações sociais.
Desde a criação estes coletivos estiveram rodeados de polêmicas, seja com direitistas, seja com setores mais ortodoxos da esquerda.
As acusações da direita são previsíveis pois defendem o status quo.
O que surpreende é a postura defensiva de setores da esquerda, que reage assustada a estas novidades de uma forma que não contribui para que construamos sínteses, novos caminhos para a cultura, para as comunicações e para a sociedade.
Diversas críticas tem sido feitas por esses setores, assim como muitas denúncias.
Estes setores da esquerda criticam questões relativas ao funcionamento político interno e financiamento dos coletivos.
Sobre a origem dos recursos, é preciso ter claro que não é possível viver à margem do sistema, tampouco criar alternativas radicais dentro deste. A única alternativa verdadeiramente radical pressupõe necessariamente a superação do próprio sistema capitalista.
Nada mais justo que, enquanto não realizamos uma revolução, os referidos coletivos busquem meios de financiamento público e privado para se sustentar e a seus integrantes. Sempre tomando o cuidado de manter sua independência.
Sobre a distribuição dos recursos obtidos, há críticas sobre a destinação destes para a própria rede e coletivos em detrimento de uma mera distribuição entre os indivíduos. Esse me parece o argumento mais estranho, já que o que a esquerda mais fez ao longo da História foi utilizar o tempo, as habilidades, subjetividades e recursos financeiros dos indivíduos para sustentar suas organizações.
Na política o Fora do Eixo tem sido um aliado importante em pautas como a discussão dos direitos autorais, do Marco Civil da Internet, na luta pela democratização das comunicações, dentre tantas outras, sempre com posturas avançadas. Neste ponto devemos utilizar como critério de avaliação a prática como critério da verdade.
Minha crítica é que para conseguir avançar mesmo nestas pautas setoriais é preciso ter e se organizar numa visão sistêmica, discutindo o modelo político, econômico e social de forma ampla e global. O Fora do Eixo, Mídia Ninja e congêneres precisam avançar neste aspecto.
O Fora do Eixo não é tão revolucionário, mas também não é uma ferramenta a serviço do neoliberalismo e da exploração da mais valia como colocam alguns.
Ao colocar as pessoas para morarem juntas, viajar, produzir, se integrar, se formar nas técnicas e no debate político e se doarem a uma organização coletiva, ele representa uma experiência válida e com a qual podemos aprender muito.
Nas últimas décadas a esquerda tem se afastado da questão da produção e distribuição cultural e de comunicação e da sustentação dos seus coletivos e indivíduos.
Os partidos e movimentos sociais se focaram em discussões nas conferências de políticas públicas, nos órgãos estatais e setoriais partidários, ou então resumiram a cultura a uma cobertura estética dos espaços de debate, como os shows e culturais que preenchem as noites de encontros estudantis e sindicais. Na comunicação muitas vezes se via (e se vê) os profissionais desta área como meras ferramentas de transmissão de informação em mão única.
Para termos uma nova sociedade precisamos construir uma nova cultura e uma comunicação nova. Muitas críticas teóricas e estéticas ao trabalho deles existem e devem ser levadas em consideração, assim como as denúncias devem ser julgadas na medida em que as provas sejam apresentadas.
Mas eu prefiro fazer esse diálogo com eles, considerando-os aliados e buscando sínteses, do que empurrá-los para o outro lado do rio.
Dentre os críticos há de tudo, mas eu resumiria em principalmente duas expressões:
- Setores esquerdistas que se ressentem da boa relação que o Fora do Eixo tem construído com governos progressistas.
- Pessoas que não conseguem vislumbrar um modelo que não seja centrado no indivíduo artista com a exposição do seu nome e fama e remuneração individual.
Esta última não é uma contradição tão incomum, dado que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante.
Precisamos arriscar e criar novos rumos e alternativas coletivistas. Por ver esse pessoal experimentando que eu sou um simpatizante do Fora do Eixo e da Mídia Ninja.

Yuri Soares Franco é historiador e Secretário-Executivo do Conselho de Juventude do Distrito Federal.

domingo, 1 de setembro de 2013

Armas químicas

A química do cérebro explica a lavagem cerebral? Pois a arma química mais corrosiva é aquela que persuade milhões de pessoas ao redor do planeta a, de alguma maneira, apoiar a abjeta máquina bélica e seus promotores. Nesse negócio, cuja alma – tem alma – é a propaganda, a mídia hegemônica global é um conjunto de canhões que bombardeiam mentes diariamente.
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O uso de armas químicas (agora em termos convencionais) pelo governo sírio seria o convite perfeito à ocupação militar estadunidense naquele país. Portanto, uma vez constatada a presença dessas armas na guerra civil que vive a Síria, fica óbvio que elas foram "plantadas" com a ajuda da Arábia Saudita. Mesmo assim, como de costume, o cínico pretexto americano é o bastante para mais uma invasão.
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Sinto dor de existir. Minha consciência, que julgo saudável, parece uma doença que, como estorvo à adaptação, torna impossível a dança conforme a triste música que tem embalado a humanidade. Que arma poderá ser a crítica diante de tamanho poder? 

Suspiro, olho para a parede em frente e, gentilmente, me fala o quadro trazido do Vietnã.