sábado, 30 de novembro de 2013

Por que Marx ainda assusta os conservadores?


Mais de duas décadas após o fim da União Soviética e do comunismo no Leste Europeu e mais de três décadas após a constatação, por diversos intelectuais, da crise de narrativas de pretensões universalistas como o marxismo, os conservadores ainda tremem quando ouvem falar o nome do filósofo de Treves. Mas isso é compreensível: mesmo que o marxismo, enquanto projeto revolucionário herdeiro do iluminismo tenha arrefecido, o marxismo como crítica social permanece um importante instrumento de luta contra a desigualdade e a concentração de renda, especialmente nos países do capitalismo periférico. Os conservadores temem a crítica social porque temem a mudança, e não querem mudanças porque também não desejam perder privilégios.
Hoje não falamos mais em revolução proletária, classe operária, burguesia, ditadura do proletariado. Mesmo o conceito de ideologia, que Marx e Engels tomavam como uma forma de consciência invertida do mundo,  não é mais tomado nesta acepção há décadas. O marxismo do século XX não se reduziu apenas à esfera econômica, mas também teve representantes em áreas bastante distintas como a psicanálise e a linguística.
Se durante o século passado era impossível ficar indiferente ao pensamento de Marx, hoje podemos estudá-lo sem a necessária tomada de partido de uma visão dicotômica marcada pela adesão ou a ojeriza. Contudo, nem todos ainda pensam assim. Um fascista como Olavo de Carvalho dedicou mais de duas décadas tentando desmontar inutilmente o pensamento marxista com base apenas em teorias conspiratórias, denuncismos rasteiros de jornalista de extrema direita mesclados com boa dose de fanatismo religioso, que abocanha apenas uma parcela da juventude mimada de classe média e outros fanáticos tão raivosos quanto o próprio Olavo.
Recentemente, outro jornalista de direita, Rodrigo Constantino, publicou em sua coluna na revista Veja uma carta de um universitário de Santa Catarina que recusou-se a fazer um trabalho sobre Marx porque se considera de “direita até a medula”, acha que “a epidemia de drogas, a criminalidade e o desrespeito aos mais velhos são sintomas de uma revolução de inspiração marxista em curso” é monarquista e um budista armamentista, apaixonado por esportes medievais. Veja o leitor como a mente do rapaz é confusa. Sua postura reflete um sintoma de intolerância que a extrema direita tem difundido através das redes sociais (único lugar onde conseguem proliferação, uma vez que não possuem força política).
Isso também evidencia o descontentamento de grupos privilegiados com as políticas sociais dos governos Lula e Dilma, a expansão das universidades, a ampliação do acesso de pessoas de baixa renda a cursos de nível superior em instituições públicas e privadas e a ascensão social promovida pelas políticas de transferência direta de renda. Embora o PT não seja um partido socialista, a direita o odeia por uma causa em especial: promoveu ascensão social, colocando em convivência classes outrora separadas pelo imenso abismo social segregacionista que herdamos da ditadura e de governos populistas antes e depois dela.
O que restou a essa direita foi o denuncismo conspiratório, a associação dos governos de esquerda da América Latina ao “terrorismo”, tráfico de drogas, criminalidade e quaisquer outras mazelas que possam colocar na conta. Gramsci lhes desperta pavor como se fosse o próprio Diabo. Aterrorizados, refugiam-se na mesma mentalidade extremista que engendrou o fascismo há quase um século. O rapaz catarinense comete um erro grosseiro ao rejeitar ler Marx. Talvez pense que possa tornar-se marxista lendo Marx, ou talvez pense que está fazendo uma concessão à esquerda. De todo modo, ele acha que não precisa ler sua obra numa cadeira de Ciência Política. Então ele não lerá toda a Escola de Frankfurt, nem os marxistas culturalistas do século XX, nem mesmo compreenderá adequadamente os críticos do marxismo. Ele pensa que está na universidade para enfrentar professor e ler apenas o que lhe agrada. Ao invés de ler o filósofo alemão para entender a formação do mundo contemporâneo e até cotejar sua obra com a de outros autores, o playboy escreveu uma carta ao professor e ainda publicou na internet, em um gesto risível de orgulho de própria estupidez.
O mesmo erro poderia ser cometido por um marxista que recusasse a ler Adam Smith ou Hayek, ou um evangélico (e esse exemplo também já aconteceu) sobre religiões umbandistas. Em todos os casos o que está em evidência é a ignorância. O rapaz não sabe que Marx é importante por sua análise da mercadoria. Não, a única coisa que ele aprendeu sobre Marx foi a repudiá-lo, a odiá-lo e culpá-lo por tudo de ruim que aconteceu na história recente da humanidade. Esse é o mesmo tipo que sai por aí dizendo que nazismo e fascismo eram ideologias de esquerda e, como ele próprio diz, que o Brasil era melhor durante a monarquia. Um rapaz branco, filho de empresário bem-sucedido prefere a monarquia. Mas por quê? Talvez porque os ricos da corte ficavam confortavelmente isolados em seus palácios, possuíam escravos e mantinham a imensa maioria da população pobre, para quem eles jamais prestavam contas, massacrada na indigência. Ou porque no Brasil Império revoltas sociais eram reprimidas com banhos de sangue.
O problema dos conservadores brasileiros não é que eles não aprendem com os próprios erros, mas que eles querem continuar cometendo esses erros, alegando agir em nome da moral, da família, dos bons costumes, da religião. Não importa que o latifúndio seja um roubo, eles querem milhões de sem terra para manter sua escravidão moderna, como ainda infelizmente acontece com certa frequência em fazendas no Pará, Tocantins e outros Estados do Norte e Nordeste.  Querem a manutenção do patriarcalismo, o silenciamento das mulheres, a volta do Padroado – o passado onde os segmentos sociais privilegiados podiam levar suas vidas idílicas longe de governos populares e populistas. Eles não querem jovens libertários protestando nas ruas, pois estão acostumados a ver a polícia espancar os “arruaceiros”. Eles querem o poder apenas para Bolsonaros e Felicianos desancarem, sob a proteção da legalidade, todo tipo de preconceitos e racismo.
Este ano de 2013 a publicação do Manifesto Comunista completa 165 anos e o fantasma de seus autores ainda aterroriza muita gente. Alguns até pedem por outro golpe militar. A inclusão social promovida pelos últimos três mandatos presidenciais tem incomodado a muitos. Na falta de projetos políticos, ou de propostas concretas para melhoria da nação, a culpa é de Marx, Gramsci e toda a história brasileira é reduzida a apenas dez anos, como se todos os nossos problemas sociais e políticos não existissem antes disso, não possuíssem historicidade nem estivessem imbricados em nossa formação cultural antes mesmo de existir Marx e partidos de esquerda. Mas é nisso o que dá não querer fazer trabalhos pra discutir história e ainda se orgulhar de ser o menininho mimado do papai, adulado por uma revista de extrema direita.
Fonte: http://bertonesousa.wordpress.com/2013/10/07/por-que-marx-ainda-assusta-os-conservadores/

Nenhum comentário:

Postar um comentário