sábado, 27 de dezembro de 2014

Valor humano

Hipótese: inerentemente, somos todos inúteis e não há nenhum valor absoluto em ser humano. Nossa utilidade e nosso valor só acontecem em relação, daí a necessidade de sermos notados e vermos reconhecida nossa importância no mundo. Sem conexão, através de relação, não temos valor.

Como autoconhecimento é matéria que não consta do currículo escolar (suponho que não por acaso), esse aspecto central de nossas vidas permanece invisível, dando espaço para o triunfo do "parecer ser". Modelos prontos de felicidade são oferecidos pela sociedade do espetáculo para quem não se dá o trabalho de verdadeiramente ser, bastando parecer ser.

De curtidas no Facebook a todo tipo de ostentação de um padrão de vida, tudo é produção de imagem para seduzir outras pessoas. No fundo, são tentativas de amar e ser amado/a.  

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Viva la revolución!


Vontade de fazer uma festa e dançar até amanhã para comemorar hoje, este dia histórico para a revolução!

"Cuba sofreu o mais brutal bloqueio da maior potência bélica, não cedeu em nada, todos os países foram reatando relações, até que os próprios EUA tiveram que ceder. Cuba venceu o bloqueio de forma soberana!" Emir Sader.

É emocionante viver para ver isso acontecer. Avante, que ainda é começo.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O valor da educação

Em uma sociedade capitalista, a origem e o fim de muitos problemas passam pela questão econômico-financeira, como é o caso da educação no Brasil. Parece óbvio, mas há quem, para minha surpresa, argumente que o grande gargalo do sistema de educação brasileiro não é de ordem orçamentária, mas sobretudo de gestão.

Insisto que o ponto de partida pragmático da crise na educação, agravada pelo federalismo, é, sim, a falta de recursos materiais destinados à área. Sob o sistema econômico em vigor no país, é delirante acreditar que professores mal pagos vão ensinar bem.

O vereador Renato Cinco (Psol/RJ) pediu para que sua assessoria calculasse quanto custa o aluno do Colégio Pedro II e quanto custa o aluno da Rede Municipal de Ensino do Rio. Em 2013, o aluno do CPII custou R$ 16.069,33 enquanto o da Rede Municipal apenas R$ 5.105,67. Para que o montante seja equivalente é necessário o aumento de 215% do orçamento da Secretaria Municipal de Educação.


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

A escola do MST

É sempre bom viajar, ainda que não se mova um centímetro para isso. Além de lugares do absurdo, do impossível, da loucura, do onírico, da fantasia e do surreal, a imaginação também conduz a realidades mais tangíveis, como a do socialismo – a do amor, em sua tradução política, apesar das lamentáveis ressignificações que a palavra sofre ao gosto do freguês.
No último sábado, porém, meu veículo de locomoção não foi só a mente. O imaginário se encontrou com um exato ponto de cruzamento entre latitude e longitude geográficas a uma hora da rodoviária do Tietê: visitei a Escola Nacional Florestan Fernandes.
Mantida por mim e mais algumas centenas de amigos por meio de doações, a Escola é empreendimento do maior movimento social do Brasil, o MST, e atua na formação política de diversos ativistas do país e do mundo.

 
 
 
 
 
 



 Motivo suficiente para continuar acreditando no tempo em que o mundo dos sonhos e o mundo real vão ocupar integralmente o mesmo lugar.

domingo, 23 de novembro de 2014

Folha, você é machista

Editorial da Folha de hoje ["Feministas do espaço"] tentando dizer a feministas que existem problemas mais graves para preocupação do que uma camiseta machista; que são radicais as feministas que repudiaram o uso daquela camiseta por uma autoridade científica justo no momento histórico do pouso do Philae. 

Hum... o feminismo e sua tão corriqueira associação ao radicalismo...

Só que não. Vamos tentar esclarecer que:

Folha, você é machista. Você não entende que a violência contra a mulher não é só física, mas também (e predominantemente) simbólica. Que o feminicídio, a exclusão e a marginalização das mulheres são só uma ponta que aparece lá no final de uma longa cadeia de agressões simbólicas que são entubadas como se fossem absolutamente naturais. A banalidade que você vê, Folha, é só um sintoma da sua cegueira sexista. Não adianta se achar evoluída apenas porque se declara a favor da descriminalização do aborto. Folha, apesar disso, você é bem atrasada.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

O medo do amor | Marla de Queiroz


Eu não tenho medo do amor. Eu tenho medo é de amar quem tem medo dele. Amar quem teme o amor é como se apaixonar por uma sucessão de desistências. É como viver apenas a possibilidade de algo, mas com a sensação de que ela nunca se estabelecerá. É ficar intranqüilo não com o amanhã, mas com os próximos minutos. Quem teme o amor vai embora antes de fazer as pazes com ele. Antes de saber que surpresas ele reservava. Quem teme o amor teme caminhar de mãos vazias em direção ao desconhecido. Está sempre baseado numa repetição do passado. E acha que a vida será como todos aqueles dias idos. Quem teme o amor não vê a pessoa que conheceu, não se dá a oportunidade de ser amado de outra forma. Quem teme o amor se envolve é com o drama de todas as feridas que vieram à tona porque ele não se permitiu ficar sozinho e confuso o suficiente para curá-las. Quem teme o amor não aprendeu a pedir ajuda nem a receber a cura do Universo. Ele se acha maior que o amor e não conjuga o verbo. Quem teme o amor consegue ser mais perverso do que quem o magoou.
Quem tem medo do amor, pra se preservar, não se permite delirar lindamente... e perde a parcela mais deliciosa que o amor prometeu... por medo de amar.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Além de olhar, ver

Galileu fez um telescópio. Quem quisesse podia enxergar as estrelas através daquelas lentes, mas, como em todas as épocas, o verdadeiro cego é aquele que não quer ver. Então vieram monges, filósofos, demagogos, comerciantes etc. para negar o evidente.
Sabemos que Galileu teve que se curvar aos “cegos” de plantão para não ser queimado vivo na fogueira da inquisição.

Acontece que, para além dos fatos, existem as lentes da ideologia, do conservadorismo, da hipocrisia, da covardia, do esquecimento e, principalmente (em uma improvável democracia convivendo com altíssima concentração dos meios de comunicação), da ignorância.

Por amor, tenhamos coragem e ousadia para encarar os fatos de maneira global, sistemática e inteligente. Que não nos tornemos reféns de nossas próprias paixões. Que não estejamos (c)egos. Que possamos agir de acordo com o que somos: o resultado de 3,8 bilhões de anos de um processo de evolução natural bem sucedido.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O perigoso fenômeno do antipetismo I

Com um simples cotejo entre dados sobre o Brasil é extremamente fácil verificar a diferença entre os governos do PT e do PSDB. Como mostra a postagem anterior, os números falam por si. Por isso, "nunca antes na história deste país" é um bordão muito natural: demoramos 500 anos para ver mudanças fundamentais que aconteceram somente nos últimos 12 anos. A síntese dessas mudanças é a inclusão social, absolutamente necessária do ponto de vista moral e econômico.

A gritante melhora do país não é ilação, opinião viciada ou mentira, é apenas a conclusão apontada pelas mais recentes pesquisas acadêmicas realizadas no mundo e pelos dados de institutos internacionais, como a ONU.

Por outro lado, se se quiser manter um pingo de coerência, a palavra pronta da corrupção no discurso de quem se recusa a reconhecer o alto desempenho dos governos petistas há de ser reconsiderada para dar lugar à avaliação de que os maiores escândalos de corrupção não são os mais abordados na mídia, mas sim aqueles que desviam mais recursos públicos. Com efeito, os esquemas de corrupção mais custosos aos cofres públicos brasileiros são os tucanos. O fato de terem sido abafados por seus governos é agravante.



Forçoso é reconhecer que a corrupção faz parte do sistema político brasileiro. Não é uma questão individual, muito menos partidária: lamentavelmente é uma questão sistêmica.

Já no plano internacional, nos últimos anos o Brasil passou a ser admirado por sua política social e econômica que gera crescimento em meio à crise que assola o mundo inteiro. Deixamos de dever ao FMI, passamos a emprestá-lo dinheiro e ainda criamos um banco mundial alternativo.

A lista de avanços está longe de se esgotar nesses poucos aspectos salientados, mas vamos prosseguir para chegarmos ao ponto atual: estamos diante de um segundo turno entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) com a sensação de que se um ser inteligente extraterrestre chegasse agora no Brasil, não entenderia como isto é possível.

Para explicar esta situação de imensa alienação coletiva entre fatos e ideias, não se pode prescindir da observação de um específico fenômeno político que combina desinformação e ideologia: o antipetismo.

O Brasil de 2002 a 2013

1. Produto Interno Bruto:
2002 – R$ 1,48 trilhões
2013 – R$ 4,84 trilhões
 
2. PIB per capita:
2002 – R$ 7,6 mil
2013 – R$ 24,1 mil
 
3. Dívida líquida do setor público:
2002 – 60% do PIB
2013 – 34% do PIB
 
4. Lucro do BNDES:
2002 – R$ 550 milhões
2013 – R$ 8,15 bilhões
 
5. Lucro do Banco do Brasil:
2002 – R$ 2 bilhões
2013 – R$ 15,8 bilhões
 
6. Lucro da Caixa Econômica Federal:
2002 – R$ 1,1 bilhões
2013 – R$ 6,7 bilhões
 
7. Produção de veículos:
2002 – 1,8 milhões
2013 – 3,7 milhões
 
8. Safra Agrícola:
2002 – 97 milhões de toneladas
2013 – 188 milhões de toneladas
 
9. Investimento Estrangeiro Direto:
2002 – 16,6 bilhões de dólares
2013 – 64 bilhões de dólares
 
10. Reservas Internacionais:
2002 – 37 bilhões de dólares
2013 – 375,8 bilhões de dólares
 
11. Índice Bovespa:
2002 – 11.268 pontos
2013 – 51.507 pontos
 
12. Empregos Gerados:
Governo FHC – 627 mil/ano
Governos Lula e Dilma – 1,79 milhões/ano
 
13. Taxa de Desemprego:
2002 – 12,2%
2013 – 5,4%
 
14. Valor de Mercado da Petrobras:
2002 – R$ 15,5 bilhões
2014 – R$ 104,9 bilhões
 
15. Lucro médio da Petrobras:
Governo FHC – R$ 4,2 bilhões/ano
Governos Lula e Dilma – R$ 25,6 bilhões/ano
 
16. Falências Requeridas em Média/ano:
Governo FHC – 25.587
Governos Lula e Dilma – 5.795
 
17. Salário Mínimo:
2002 – R$ 200 (1,42 cestas básicas
2014 – R$ 724 (2,24 cestas básicas)
 
18. Dívida Externa em Relação às Reservas:
2002 – 557%
2014 – 81%
 
19. Posição entre as Economias do Mundo:
2002 - 13ª
2014 - 7ª
 
20. PROUNI – 1,2 milhões de bolsas
 
21. Salário Mínimo Convertido em Dólares:
2002 – 86,21
2014 – 305,00
 
22. Passagens Aéreas Vendidas:
2002 – 33 milhões
2013 – 100 milhões
 
23. Exportações:
2002 – 60,3 bilhões de dólares
2013 – 242 bilhões de dólares
 
24. Inflação Anual Média:
Governo FHC – 9,1%
Governos Lula e Dilma – 5,8%
 
25. PRONATEC – 6 Milhões de pessoas
 
26. Taxa Selic:
2002 – 18,9%
2012 – 8,5%
 
27. FIES – 1,3 milhões de pessoas com financiamento universitário
 
28. Minha Casa Minha Vida – 1,5 milhões de famílias beneficiadas
 
29. Luz Para Todos – 9,5 milhões de pessoas beneficiadas
 
30. Capacidade Energética:
2001 - 74.800 MW
2013 - 122.900 MW
 
31. Criação de 6.427 creches
 
32. Ciência Sem Fronteiras – 85 mil beneficiados
 
33. Mais Médicos (Aproximadamente 14 mil novos profissionais): 50 milhões de beneficiados
 
34. Brasil Sem Miséria – Retirou 22 milhões da extrema pobreza
 
35. Criação de Universidades Federais:
Governo FHC - zero
Governos Lula e Dilma - 18
 
36. Criação de Escolas Técnicas:
Governo FHC - 0
Governos Lula e Dilma - 214
De 1500 até 1994 - 140
 
37. Desigualdade Social:
Governo FHC - Queda de 2,2%
Governo PT - Queda de 11,4%
 
38. Produtividade:
Governo FHC - Aumento de 0,3%
Governos Lula e Dilma - Aumento de 13,2%
 
39. Taxa de Pobreza:
2002 - 34%
2012 - 15%
 
40. Taxa de Extrema Pobreza:
2003 - 15%
2012 - 5,2%
 
41. Índice de Desenvolvimento Humano:
2000 - 0,669
2005 - 0,699
2012 - 0,730
 
42. Mortalidade Infantil:
2002 - 25,3 em 1000 nascidos vivos
2012 - 12,9 em 1000 nascidos vivos
 
43. Gastos Públicos em Saúde:
2002 - R$ 28 bilhões
2013 - R$ 106 bilhões
 
44. Gastos Públicos em Educação:
2002 - R$ 17 bilhões
2013 - R$ 94 bilhões
 
45. Estudantes no Ensino Superior (Federais):
2003 - 583.800
2012 - 1.087.400
 
46. Risco Brasil (IPEA):
2002 - 1.446
2013 - 224
 
47. Operações da Polícia Federal:
Governo FHC - 48
Governo PT - 1.273 (15 mil presos)
 
48. Varas da Justiça Federal:
2003 - 100
2010 - 513
 
49. 38 milhões de pessoas ascenderam à Nova Classe Média (Classe C)
 
50. 42 milhões de pessoas saíram da miséria
 
FONTES:
42 - OMS, Unicef, Banco Mundial e ONU
37 - índice de GINI: www.ipeadata.gov.br
45 - Ministério da Educação
13 - IBGE
26 - Banco Mundial

sábado, 6 de setembro de 2014

Rancière explica

Esta entrevista de Jacques Rancière ao jornal O Globo vai direto ao ponto sobre o que chamamos de democracia nas sociedades contemporâneas. Ótima peça de divulgação científica – de ciência política:



O que significa o ódio à democracia que dá título ao livro?

Quis analisar e criticar uma tendência muito forte na França, cuja particularidade é tomar a democracia não como forma de Estado, mas como forma de vida em sociedade. Este ódio denuncia uma pretensa invasão da igualdade e do igualitarismo em todos os domínios da vida e a relação com uma figura central: o indivíduo da sociedade de consumo de massa, que o ódio à democracia acusa de ser destruidor de todos os laços sociais tradicionais. O que esse ódio expressa é o ódio à igualdade, e está acompanhado do recuo efetivo da democracia e da igualdade nesses Estados. A democracia, no estrito senso desse termo, é o poder do povo, o poder de qualquer um, dos que não estão destinados ao exercício do poder por nascimento, riqueza, conhecimento científico ou qualquer qualidade especial.


O senhor afirma que as sociedades, tanto no presente quanto no passado, são organizadas pelo jogo das oligarquias. Não existe governo democrático propriamente dito?

Insisti no fato de que o “poder do povo” é impossível de ser contido em uma fórmula constitucional. Há uma contradição entre esse poder e a forma estatal em geral, que é sempre uma forma de privatização do poder de todos em benefício de uma minoria. Por um lado, isso quer dizer que o poder do povo deve ter seus organismos e suas formas de ação autônomas em relação às formas estatais. De outro lado, isso quer dizer que aquilo chamamos de democracia representativa é um modelo misto, submetido a duas formas contraditórias. De um lado, nossos Estados se afirmam como emanação do poder do povo. Mas o poder do povo supõe ou bem um sorteio, ou bem mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis e não renováveis. Nós temos exatamente o contrário disso: uma classe de políticos profissionais cujas frações concorrentes governam em alternância, seguidos de análises e de soluções imaginadas por especialistas e por comissões refratárias ao controle popular. A “democracia” que nossas oligarquias defendem é, de fato, o confisco da democracia.


O senhor afirma que “não vivemos em democracias”, mas recusa leituras como as dos filósofos Hannah Arendt ou Giorgio Agamben, que identificam dentro do estado democrático um estado de exceção. O que são os “Estados de direito oligárquicos” em que o senhor afirma que vivemos?

Não vivemos numa democracia porque a democracia não é uma forma de Estado ou de sociedade, mas um poder que sempre excede as suas formas. Mas isso não quer dizer que nós vivamos em um estado de exceção e que a diferença entre as formas constitucionais seja negligenciável. Nós vivemos em Estados oligárquicos moderados que são fundados sobre um compromisso entre o poder das “elites” e o poder de todos. O sistema eleitoral é, em todos os lugares, um pouco confiscado por uma classe de políticos profissionais que trabalha em colaboração cada vez mais estreita com os representantes das potências financeiras. Em contrapartida, a liberdade de informação, de associação, de reunião e de manifestação permitem a existência de uma vida democrática que transborda as simples formas parlamentares e estatais da representação do povo. Esse é um ponto fundamental na minha concepção da democracia: supõe a existência de um poder próprio do povo em relação à máquina estatal. A democracia não é uma questão de instituições, mas de atividade, uma questão de imaginação. Foi o que aconteceu ontem nas ruas, nas fábricas ou nas universidades, é o que acontece hoje na internet, na circulação de informação e nas formas de mobilização que passam pelas redes sociais, pela ocupação das praças e pela sua transformação em espaço político. A tarefa democrática é dar ao povo uma figura autônoma, separada da que se encontra confiscada pelo poder estatal.

Em certo momento o senhor define a democracia como um processo de luta contra a privatização da felicidade e do bem-estar, como luta contra a separação entre o público e o privado. Por quê?

Frequentemente se considerou a separação entre o público e o privado como uma marca do bom governo, protetor dos indivíduos contra a empreitada estatal. Mas eu gostaria de lembrar que essa separação tinha originalmente outra função: excluir da política a maioria dos humanos, confinando-os à esfera privada. Foi o que aconteceu, por exemplo, com os trabalhadores, durante muito tempo considerados apenas no âmbito doméstico. Foi também o que aconteceu tradicionalmente com as mulheres, consideradas dependentes de seus pais ou maridos e restritas ao campo do casamento ou da família. Mas essas lutas não confirmam os “limites” da democracia. Elas confirmam, ao contrário, as capacidades de sua extensão. Essas formas polêmicas de extensão da democracia transbordam ao que se reduz, frequentemente, nas lutas das minorias defensoras de suas identidades. Trata-se antes de sair da condição de “minoria” na qual está a grande maioria dos humanos, confinados numa condição subalterna.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

sábado, 23 de agosto de 2014

Luta de classes hoje


Quando Marx observava as relações socioeconômicas, no século XIX, havia muito clara a divisão de classes conflitantes: de um lado, a burguesia proprietária dos meios de produção; de outro, o operariado, os trabalhadores que comandavam a atividade produtiva do ponto de vista do conhecimento – eram os trabalhadores que entendiam de produção como ninguém. A classe trabalhadora era mais homogênea; com coesão – ao que parecia – podia revolucionar.

Falar em luta de classes hoje é reconhecer que essa divisão não está mais tão bem delineada assim. Entre explorados e exploradores há um trânsito constante, a depender da dimensão econômica considerada. Com a enorme estratificação das classes, pulverizam-se interesses e perde-se a capacidade de relativo consenso, de coesão suficiente para uma revolução. Assim, o mundo se rendeu à ditadura do capital financeiro. A derrota da esquerda como força político-ideológica sempre vai ser uma derrota da humanidade, que não se emancipa, apenas regurgita essa papa de alienação, hipocrisia e autossabotagem até se afogar.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Virando a página em 3, 2, 1



O vento soprou e eu senti mais movimento. Pedalar não é mais. A vida que me freava agora morre pra eu andar. E assim vou. Depois das pisadas, além das piscadas, há passos, descompassos, mas também ritmo e tato. Eu vi a cara da covardia, do medo e da insensatez. Eu vi a cara, minha cara… assombradamente. Risco da/de vida chamar amor de plano e executá-lo mal. Pode parecer clichê auto-ajuda, mas não invalida: vida bem vivida é pra quem tem coragem, que dá sentido à liberdade – só agora sinto a verdade absoluta disso. E, tendo aprendido a lição, eis que a paralisia de escafandrista chega a seu termo. 

Virando a página, reviro borboleta.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O que é (des)conhecimento geral


“(...) em praticamente todas as questões consideradas relevantes, a imprensa constrói discursos homogêneos e superficiais. Assim, desenvolveu-se no Brasil um cabedal de conhecimento sobre tudo que, na verdade, é formado por um emaranhado de desinformações. Desde a questão da reforma tributária até problemas distantes da economia, como a idade adequada para a responsabilização penal, tudo é discutido na planura dos lugares-comuns.
O Brasil vive, há muitos anos, um processo de empobrecimento intelectual patrocinado pelos principais meios de comunicação. O ambiente comunicacional organizado e pautado pela mídia tradicional é o reino das obviedades, terreno fértil para o populismo e a manipulação. Nesse território se edificam não apenas as carreiras políticas inexplicáveis, como algumas fortunas que desafiam as teorias de sustentabilidade do capitalismo.
Parte dos conflitos que vimos crescer nas ruas a partir de junho de 2013 tem origem nessa incapacidade das instituições de aprofundar a compreensão do Brasil contemporâneo.
Presos a essa roda de ignorâncias por aceitarem a dependência de um sistema de mídia limitador e intelectualmente modesto, governantes que deveriam tomar a iniciativa da mudança não se mostram capazes de inovar. Os candidatos ao cargo mais elevado do sistema de poder, colocados diante da oportunidade de expor o que se espera sejam ideias inovadoras, repetem velhas receitas genéricas.”
Luciano Martins Costa

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O amor | por Eliane Goldfeld

A presença do outro me serve como exata medida da minha solidão. De que nenhum outro corpo que esteja ao meu lado, ou até mesmo dentro de mim, pode se fundir ao meu. Porque o meu corpo repulsa as partes estranhas, por mais amadas que possam ser. O meu corpo é infinito, mas é infinito dentro do meu ser e das suas próprias formas. Nada mais e nada menos do que isso. O verdadeiro amor, imagino, deve ser quando dois corpos distintos se unem harmonicamente, e tão harmonicamente se separam, sem que nenhum dos dois se sinta vazio ao se separar, mas, sim, fortalecido e revitalizado. Saber-se só é compreender que não somos seres amputados e, por isso, não vivemos para buscar no outro um membro que nos falta. O outro é interação, é troca, é afeto. O amor capenga é puro desgaste, perda de energia, sofrimento vão. Tudo o que mais necessito eu devo buscar dentro de mim. E, se buscar, certamente encontrarei. E serei plena, completa, feliz por vivenciar o verdadeiro amor. Que não castra, não acorrenta e não degrada porque é a própria força vital que nos alimenta.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Transformaram bom senso em utopia

Queria dizer algo sobre o míssil que derrubou o Boeing na Ucrânia. Sobre a demolição de um hospital em Gaza. Sobre a escalada da ciência da vigilância. Sobre a seca que se agrava em SP. E sobre a espessura do quelóide espiritual da minha geração.
Sobre as evidências de que a mudança climática será pior do que se previa, pesquisas que ninguém lê enquanto conselhos de segurança e comitês internacionais se apressam para rufar tambores de guerra nos escombros da cortina de ferro.
Mas são apenas exemplos, casos anedóticos de algo mais sério.
De uma dissonância tão grande que conseguimos o impensável: transformar o bom senso em uma utopia. E é exatamente por isso que a civilização está em vias de implodir.
Nunca foi tão urgente um choque de percepção. Uma radical mudança de ponto de vista. Um abandono de velhos mitos, empregos e autoridades. Uma expansão de perspectiva, revisão de expectativas e propósitos. E aqui, em uma nota bem pessoal, torço demais pela retomada da cultura, do pensamento, do legado psicodélico em grande escala. Por um motivo bem simples: nunca foi tão necessário dar uma dimensão emocional às coisas que, intelectualmente, já sabemos.
Bruno Torturra
Mas são apenas exemplos, casos anedóticos de algo mais sério.De uma dissonância tão grande que conseguimos o impensável: transformar o bom senso em uma utopia. E é exatamente por isso que a civilização está em vias de implodir. Nunca foi tão urgente um choque de percepção. Uma radical mudança de ponto de vista. Um abandono de velhos mitos, empregos e autoridades. Uma expansão de perspectiva, revisão de expectativas e propósitos. E aqui, em uma nota bem pessoal, torço demais pela retomada da cultura, do pensamento, do legado psicodélico em grande escala. Por um motivo bem simples: nunca foi tão necessário dar uma dimensão emocional às coisas que, intelectualmente, já sabemos.Mas são apenas exemplos, casos anedóticos de algo mais sério.De uma dissonância tão grande que conseguimos o impensável: transformar o bom senso em uma utopia. E é exatamente por isso que a civilização está em vias de implodir. Nunca foi tão urgente um choque de percepção. Uma radical mudança de ponto de vista. Um abandono de velhos mitos, empregos e autoridades. Uma expansão de perspectiva, revisão de expectativas e propósitos. E aqui, em uma nota bem pessoal, torço demais pela retomada da cultura, do pensamento, do legado psicodélico em grande escala. Por um motivo bem simples: nunca foi tão necessário dar uma dimensão emocional às coisas q

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Por uma agenda sobre a mídia nessas eleições


Por uma agenda sobre a mídia nessas eleições

Por Daniel Iliescu e Theófilo Rodrigues

Se há um tema fundamental para a democracia que ainda não conseguiu sair do âmbito da sociedade civil subalterna para alcançar de forma plena o conjunto da esfera pública e em seguida o Estado, esse tema é o da democratização da informação.
Não obstante seja tema muito presente na academia – poderíamos citar alguns nomes como Adilson Cabral, Dennis de Oliveira, Dênis de Moraes, Gilson Caroni Filho, Ivana Bentes, Lalo Leal, Marcos Dantas, entre tantos outros – como também na sociedade civil – mais de uma centena de organizações estão associadas ao FNDC – a democratização da informação ainda não ocupou espaço privilegiado de debate nos parlamentos e nos governos. Mas como fazer para o debate chegar até lá de forma decisiva?

Neste ano teremos nas eleições 11 candidatos à presidência, 171 candidatos aos governos estaduais, 180 candidatos ao Senado, 6.599 candidatos a deputado federal, 15.923 candidatos a deputado estadual e 997 candidatos a deputado distrital.  Ao todo serão 23.881 lideranças que nos próximos 3 meses buscarão votos e conversarão sobre política com eleitores de todo o Brasil. Impõe-se para a sociedade civil a árdua tarefa de pautar todos esses candidatos para que incorporem em suas plataformas de campanha o tema da democratização da mídia.

Claro também que não há de sermos ingênuos. Sabemos que muitos dos candidatos possuem relações íntimas com grandes empresas de comunicação e que alguns são inclusive donos ilegais de concessões públicas de rádios e televisão. Contudo, há milhares de outros candidatos que não possuem esse compromisso com a manutenção oligopólica do sistema de informação e que podem incorporar a pauta da democratização da mídia em suas plataformas.

Uma agenda da democratização da mídia precisa necessariamente debater a redistribuição das verbas oficiais de publicidade dos governos municipais, estaduais e federal. Esses recursos que são majoritariamente destinados aos grandes meios de comunicação precisam ser destinados também para a blogosfera, para rádios e TVs comunitárias, para jornais de bairro e de cidades do interior.
Essa agenda precisa incorporar o tema do fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação, artifício pelo qual é mantido o oligopólio midiático no Brasil. Os Estados Unidos e alguns países da Europa, por exemplo, proíbem que uma mesma empresa seja dona de rádio, televisão e jornal em uma mesma cidade. Infelizmente por aqui a legislação ainda permite esse tipo de estrutura econômica.
 
A agenda política sobre a mídia também precisa tratar do tema do Direito de Antena aos movimentos sociais. Em Portugal e em outros países as organizações da sociedade civil possuem um direito de espaço gratuito em rádios e canais de televisão para expressarem suas opiniões. No Brasil, o Direito de Antena é garantido somente aos Partidos Políticos. Faz-se necessário, portanto, alteramos nossa legislação para permitirmos que movimentos sociais também tenham esse direito.
Embora cumpram papel fundamental para o direito à informação e ao entretenimento da população mais carente, as rádios comunitárias são os veículos mais perseguidos de nossa sociedade. Uma agenda eleitoral sobre a mídia precisa assegurar que a ANATEL, como principal agência de regulação do setor, fomente de forma estrutural e jurídica as rádios comunitárias existentes, sem a atual criminalização seletiva dos comunicadores populares. Governos municipais, estaduais e federal precisam agir no mesmo sentido com políticas públicas voltadas para esses veículos.
 
No que diz respeito ao novo mundo da internet a plataforma dos candidatos precisa considerar duas dimensões. Em primeiro lugar, a internet banda larga de baixo custo e de qualidade precisa ser realidade para toda a população do país, seja no interior, seja no campo, seja nas periferias. Para isso faz-se necessário o investimento em uma Telebras forte que seja capaz de realizar aquilo que o mercado jamais fará. Mas, além do governo federal, prefeituras e governos estaduais também têm suas responsabilidades com essa universalização da internet. Em segundo lugar, o parlamento precisa garantir que a internet seja de fato um espaço democrático. A aprovação do Marco Civil da Internet no Congresso Nacional foi uma das mais importantes conquistas da democratização dos meios de comunicação nos últimos anos. Nosso país tornou-se protagonista mundial do tema com sua aprovação. Contudo, um novo embate político inicia-se com a necessidade de regulamentação do Marco Civil. Os candidatos precisam estar atentos ao tema.

Enfim, a agenda política necessária sobre a mídia já vem sendo formulada de forma qualitativa há anos por um leque amplo da sociedade civil. Precisamos agora garantir que essa agenda entre definitivamente na plataforma dos candidatos nessas eleições e que não passe apenas de mais uma promessa a ser esquecida.

*
Daniel Iliescu é cientista social pela UFRJ, ex-presidente da UNE e candidato a deputado estadual pelo PCdoB no Rio de Janeiro.

Theófilo Rodrigues é Mestre em Ciência Política pela UFF, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC-Rio e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Holocausto agora


Não é de antes da civilização. Não é da era pré-industrial. Não é na década de 1940. Massacre que Israel (e Estados Unidos) realiza neste minuto ao povo palestino faz parte da contínua, torpe, fria e pura crueldade mesmo. Quem fica em silêncio, em cima do muro, não quer saber e/ou é capitalista: é cúmplice.





terça-feira, 17 de junho de 2014

Caminhando bastante

Caminhando bastante, não dá tempo de blogar. Não sou Alice (quem dera viver no País das Maravilhas!), mas sigo o conselho do Gato Cheshire:

– Gato Cheshire, quer fazer o favor de me dizer qual é o caminho que eu devo tomar?
– Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não me interessa muito para onde... – disse Alice.
– Não tem importância então o caminho que você tomar – disse o Gato – ... contanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como uma explicação.
– Ah, disso pode ter certeza – disse o Gato – desde que caminhe bastante”.

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Desenvolver uma nova esquerda requer um processo de "queering"

By Alan Sears*




Developing a new left requires a process of queering. For an individual, "coming out" involves a re-envisioning through engaging with a new political community. We are raised to be straight, but begin to recognize we are something else. Over time, this means developing capacities to see the world in new ways. Rather than seeing ourselves as a flawed version of the straight person we thought we were supposed to be, we begin to see and live new possibilities. As our vision is queered, we actually see more, as the oppressive character of heterosexual dominance is relatively invisible to those who participate in it and take it for granted.
Socialist-feminist perspectives on standpoint remind us that our view of the world depends in part on where we stand in it. This does not mean reducing politics to a set of fragmented and mutually incomprehensible identities, but rather understanding that those who experience oppression and exploitation see those relations from below with special clarity. Anti-capitalist organizations rightly aspire to a big picture view of the overall terrain of struggle, but this does not come through a single all-seeing perspective. Recognizing the limits and partiality of the politics we have developed does not mean simply tossing them out, but recognizing that like all human knowledge they are products of particular times and places.
(...)
Part of getting a broader view, then, is liberating our analytical tools, learning through engagement with queer, feminist, anti-racist, and anti-colonialist perspectives. Queering also means developing deliberate strategies to counter the dominant power relations as they get echoed within our organizations. If we don't work consciously against the dominant power relations within our organizations, they are all the more likely to re-emerge, since activists are people within this society.
The complex relations of comradeship can often nurture sexism, racism, heterosexism, transphobia, and settler colonial perspectives if organizations don't work deliberately against reproducing them. Comradeship is a crucial dimension of anti-capitalist organizing, marked by shared experiences, passions, dreams, trust, and pain. It can be an incubator for beautiful and supportive human relationships that sustain us through the struggle, but also for relations of assault and abuse that reflect dominant power structures. It requires work to keep different forms of oppression from distorting relations of comradeship, as people will draw upon the ways of behaving and attitudes they developed in their everyday lives in capitalist society.
Queering is not a one-time action, but an ongoing process of learning from the world and challenging what we thought we knew. It does not mean simply rejecting the experience anti-capitalists have amassed over the past 150 years as it is crystallized in theory. Nor does it mean confining ourselves within the limits of historical frames without acknowledging their limitations. Queering offers the joy of discovery as well as the challenge of recognizing we still have a lot to learn.


*Alan Sears is a member of New Socialist Group in Toronto.