sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Ocupar a Copa

"Não vai ter Copa" foi uma palavra de ordem que se destacou nas manifestações de rua do ano passado. Para parte da esquerda, é incompatível que o Brasil sedie o mundial futebolístico, que envolve fortunas, se não há, supostamente, investimento em áreas básicas e prioritárias, como saúde e educação. Com efeito, o argumento é justo.
 
No Rio de Janeiro, no entorno do famoso estádio Maracanã, depois de duas violentas desocupações do maior símbolo de resistência indígena da cidade, esta semana foi a vez do templo negro do samba, a Mangueira, ter sua carne cortada: centenas de casas viraram ruínas e moradores perderam o pouco que têm em nome do mega-evento milionário.
 
O quadro é absurdo, mas a Copa em si não necessariamente deveria implicar essas gravíssimas repercussões. Por isso, ao invés de simplesmente bradar "não vai ter Copa", nosso recado tem que ser "ocupe a Copa". Exatamente como escreveu a querida Carla Santos no facebook:
 
"Sim, a FIFA é o câncer do futebol mundial, assim como a CBF é o câncer do futebol brasileiro. Agora, por causa disso torneios mundiais e nacionais, como a Copa e o Brasileirão, devem sumir do mapa? Gente, a palavra de ordem deveria ser #OcupeACopa. Se a Copa não está sendo para o brasileiros - e não devemos permitir que os crimes cometidos contra a Aldeia Maracanã e a população da Mangueira, entre tantos outros, fiquem impunes - vamos ocupá-la para que seja. Vamos #OcuparOsEstádios #OcuparOstreinos, vamos arrancar a Copa das mãos dos cartolas especuladores. Isso me parece muito mais inteligente do que ficar gritando "Não vai ter Copa" - e fazendo coro com a mídia e a oposição ao governo Lula-Dima. Até por que VAI TER COPA SIIIIM, queiram ou não queriam, e o que vamos fazer? Ignorar a realidade em nome da nossa vontade (que pode ser super bem intencionada, mas que não passa de vontade), ou vamos abrir os olhos e encarar a realidade, AGINDO para TRANSFORMÁ-LA no lugar de negá-la? Cadê as propostas, projetos, ações e iniciativas que se contrapõem ao modelo da FIFA de Copa do Mundo? Se a Copa do Mundo que temos não é a que queremos, VAMOS à LUTA pela NOSSA COPA!!! Crítica sem proposta é só diagnóstico, não apresenta perspectiva, é insuficiente para transformar o mundo. #OcupeACopa!"
 
Essa posição é a mais sensata, merecendo ganhar corpo e prevalecer nas redes sociais e nos movimentos de rua. Temos que vencer as maquinações que o oligopólio da mídia brasileira já elabora, mirando as eleições, visando jogar a opinião pública contra o governo Dilma e a esquerda contra a própria esquerda.
 
É preciso divulgar a verdade: que o orçamento público estabelece um investimento em estádios de R$ 7,5 bilhões, mas só de repasse para a educação básica em 2014 serão R$ 58 bilhões. E, detalhe: nos 7,5 bi para estádios, não existe um centavo sequer do Governo Federal. São empréstimos, mediante apresentação de garantias, feitos por prefeituras e governos estaduais, em parceria com empresas privadas, no BNDES. Cidades e estados se inscreveram para sediar os jogos da Copa. Ninguém foi obrigado. Não gostou? Reclame com seu prefeito ou com o seu governador, mas não com o Governo Federal (fonte: http://www.orcamentofederal.gov.br/orcamentos-anuais/orcamento-2014/ploa/volumeI_PLOA2014.pdf).
 
Também importa observar o estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizado por consultoria ao Ministério dos Esportes, que mostrou que a Copa do Mundo de 2014 vai gerar R$ 183 bilhões para a economia brasileira num período de dez anos, a partir de 2010 até 2019, entre impactos diretos -- investimentos em infraestrutura, turismo, empregos, impostos, consumo -- e indiretos, que é a recirculação de todo esse dinheiro no país, o que representa 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) acumulado no mesmo período.
 
Portanto, não adianta repetir palavras de ordem como papagaios ou boiada que vai atrás do primeiro boi que passou (atitude que, aliás, tem sido extremamente comum ultimamente na esquerda). É tempo de questionar as mensagens virais mais a fundo para tornar o impacto da luta política mais eficiente. As palavras têm peso e devem ser empregadas adequadamente e com responsabilidade. Quando necessário mudar o discurso, que tenhamos discernimento, coragem, honestidade e energia para fazê-lo.
 
O pessimismo em relação à conjuntura político-econômica nacional é disseminado a todo momento pela grande mídia. A presidenta Dilma denunciou a existência dessa guerra psicológica, que prejudica o país, em sua mensagem de final de ano aos brasileiros, transmitida por rádio e TV. Só não chegou a afirmar com todas as letras quem é que conduz essa guerra, a mídia oligopólica. Não à toa, essa mídia tem se esforçado para fazer campanha contra a realização da Copa do Mundo de 2014 aqui no país. Querem aproveitar a oportunidade para insuflar os ânimos do contra.
 
Acontece que é muito simplista o discurso do contra, da negatividade reproduzida, cega e genérica. Digo o mesmo sobre a negação da política e do Estado, tão ventilada nas manifestações de rua do ano passado. Acho que esse discurso de negação pura e simples traduz uma postura de quem quer apenas se ver "fazendo alguma coisa", nem que seja gritando "não", mas que, na verdade, permanece em um tipo de zona de conforto. É muito mais fácil expressar insatisfação apenas negando um tudo que é tão tudo que não é nada de concreto, como um esperneio, do que se colocar na linha de frente da pressão apontando os caminhos políticos que queremos seguir. Flanar no vazio não é presença, não é participação efetiva.
 
A ideia do movimento Occupy, que começou em 2011 com o Occupy Wall Street, é sobre a necessidade de que o povo preencha os espaços de poder carentes de povo. Ocupação, sim, é participação de verdade. Em uma democracia, o Estado é o espaço de poder do povo por excelência, mas não é o único. Interferir nos negócios da Copa, por exemplo, é salutar. Falar mal, negar sem se inteirar e sem cuidar de se colocar por dentro para tentar orientar os rumos do empreendimento é, senão infrutífero, bastante insuficiente.
 
Mas esse discurso de presença substancial, de ocupação, é só para quem tem muito mais fôlego e disposição do que os que só gritam "não" e aparecem na foto como se estivessem do lado dos "bonzinhos" da história. Sem maniqueísmo e levando muito mais a sério a política, a Realpolitik, prefiro a voz da minha consciência do que a desse admirável gado novo.
 
Por coerência, lembrei do post Ocupar o Estado e a cibernética

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