terça-feira, 3 de setembro de 2013

Tudo que é sólido se desmancha nas redes

"Para termos uma nova sociedade precisamos construir uma nova cultura e uma comunicação nova."
 
Por Yuri Soares Franco
 
Nos últimos dias tem sido grande o debate sobre a Mídia Ninja e o Fora do Eixo.
O Fora do Eixo é uma rede de trabalhos criada por produtores culturais que estimulam a circulação de artistas e produtores, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos.
A Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um coletivo de jornalismo em rede que produz e distribui conteúdo de forma independente e dentro dos acontecimentos, sendo especializado na cobertura de mobilizações sociais.
Desde a criação estes coletivos estiveram rodeados de polêmicas, seja com direitistas, seja com setores mais ortodoxos da esquerda.
As acusações da direita são previsíveis pois defendem o status quo.
O que surpreende é a postura defensiva de setores da esquerda, que reage assustada a estas novidades de uma forma que não contribui para que construamos sínteses, novos caminhos para a cultura, para as comunicações e para a sociedade.
Diversas críticas tem sido feitas por esses setores, assim como muitas denúncias.
Estes setores da esquerda criticam questões relativas ao funcionamento político interno e financiamento dos coletivos.
Sobre a origem dos recursos, é preciso ter claro que não é possível viver à margem do sistema, tampouco criar alternativas radicais dentro deste. A única alternativa verdadeiramente radical pressupõe necessariamente a superação do próprio sistema capitalista.
Nada mais justo que, enquanto não realizamos uma revolução, os referidos coletivos busquem meios de financiamento público e privado para se sustentar e a seus integrantes. Sempre tomando o cuidado de manter sua independência.
Sobre a distribuição dos recursos obtidos, há críticas sobre a destinação destes para a própria rede e coletivos em detrimento de uma mera distribuição entre os indivíduos. Esse me parece o argumento mais estranho, já que o que a esquerda mais fez ao longo da História foi utilizar o tempo, as habilidades, subjetividades e recursos financeiros dos indivíduos para sustentar suas organizações.
Na política o Fora do Eixo tem sido um aliado importante em pautas como a discussão dos direitos autorais, do Marco Civil da Internet, na luta pela democratização das comunicações, dentre tantas outras, sempre com posturas avançadas. Neste ponto devemos utilizar como critério de avaliação a prática como critério da verdade.
Minha crítica é que para conseguir avançar mesmo nestas pautas setoriais é preciso ter e se organizar numa visão sistêmica, discutindo o modelo político, econômico e social de forma ampla e global. O Fora do Eixo, Mídia Ninja e congêneres precisam avançar neste aspecto.
O Fora do Eixo não é tão revolucionário, mas também não é uma ferramenta a serviço do neoliberalismo e da exploração da mais valia como colocam alguns.
Ao colocar as pessoas para morarem juntas, viajar, produzir, se integrar, se formar nas técnicas e no debate político e se doarem a uma organização coletiva, ele representa uma experiência válida e com a qual podemos aprender muito.
Nas últimas décadas a esquerda tem se afastado da questão da produção e distribuição cultural e de comunicação e da sustentação dos seus coletivos e indivíduos.
Os partidos e movimentos sociais se focaram em discussões nas conferências de políticas públicas, nos órgãos estatais e setoriais partidários, ou então resumiram a cultura a uma cobertura estética dos espaços de debate, como os shows e culturais que preenchem as noites de encontros estudantis e sindicais. Na comunicação muitas vezes se via (e se vê) os profissionais desta área como meras ferramentas de transmissão de informação em mão única.
Para termos uma nova sociedade precisamos construir uma nova cultura e uma comunicação nova. Muitas críticas teóricas e estéticas ao trabalho deles existem e devem ser levadas em consideração, assim como as denúncias devem ser julgadas na medida em que as provas sejam apresentadas.
Mas eu prefiro fazer esse diálogo com eles, considerando-os aliados e buscando sínteses, do que empurrá-los para o outro lado do rio.
Dentre os críticos há de tudo, mas eu resumiria em principalmente duas expressões:
- Setores esquerdistas que se ressentem da boa relação que o Fora do Eixo tem construído com governos progressistas.
- Pessoas que não conseguem vislumbrar um modelo que não seja centrado no indivíduo artista com a exposição do seu nome e fama e remuneração individual.
Esta última não é uma contradição tão incomum, dado que a ideologia dominante é a ideologia da classe dominante.
Precisamos arriscar e criar novos rumos e alternativas coletivistas. Por ver esse pessoal experimentando que eu sou um simpatizante do Fora do Eixo e da Mídia Ninja.

Yuri Soares Franco é historiador e Secretário-Executivo do Conselho de Juventude do Distrito Federal.

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