sábado, 8 de março de 2014

Dossiê Ucrânia (serve para qualquer país, porém)



Introdução

Se tem uma palavra que defina o objetivo deste blog, essa palavra é a denúncia. Com efeito, o blog se inspira em um estranho sentido de obrigação (missão?) de denunciar contumazes inversões de valores testemunhadas. Portanto, que fique bem claro o óbvio entorpecido de que o mundo está em ebulição, com uma feroz crise econômica acompanhada de um consistente trabalho de anestesia ou cegueira que é a lavagem cerebral em massa em favor da manutenção do capitalismo.

Este "Dossiê " é só para dizer um pouco – não chega nem perto de ser o mínimo –, a respeito dessa situação que a Ucrânia dá mostras, mas que impregna a prática política presente no mundo todo hoje, levando em consideração um alerta que Noam Chomsky sabe muito bem dar: "A população em geral não sabe o que está acontecendo, e nem sequer sabe que não sabe". "A imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro".

Links que ajudam a entender a situação

http://www.globalresearch.ca/eua-instalou-um-governo-neo-nazi-na-ukraina/5372156

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/34188/eua+e+dono+do+ebay+financiaram+oposicao+ucraniana+indicam+documentos.shtml

http://www.viomundo.com.br/denuncias/seumas-milne-pela-primeira-vez-desde-a-segunda-guerra-neonazistas-integram-governo-europeu-com-apoio-dos-eua-e-da-ue.html

Observações

O "invisível" é mais poderoso: está em curso, não é de hoje, uma "guerra da propaganda" financiada pelo poder econômico ocidental (EUA e Europa) em Estados que não se alinham com tanto servilismo fiel aos interesses de uma hegemonia capitalista, onde grupos têm ido às ruas protestar contra seus governos sem saber que foram manipulados para estar ali. Democracia na sociedade de informação é distorcida assim, com o respaldo da concepção schumpeteriana de democracia: a aparência de democracia fica, mas o conteúdo democrático se perde. O que é um conteúdo democrático? É de um governo feito efetivamente pelo povo, isto é, feito por escolhas livres de um povo esclarecido e consciente o suficiente para ter discernimento para tal. Mas o que acontece na realidade das democracias contemporâneas, sob os auspícios do liberalismo, é o seguinte: vale a forma, a fachada e o verniz institucional de democracia para sustentar a legitimidade dos governos. A vontade popular que embasa as escolhas populares, porém, está tão viciada quanto na época da Guerra Fria e o terror ideológico promovido pelos Estados Unidos (uma espécie de continuação da campanha contra o "perigo vermelho") tem recebido pesados investimentos, atingindo fortíssimo impulso graças ao avanço tecnológico que o mundo pós-Snowden já conhece.
Em outros casos, nem mesmo a fachada de democracia permanece: é o caso de tantas ditaduras instauradas com golpes de estado financiados pelos Estados Unidos, como aconteceu em 1964 no Brasil (Operação Condor foi só a cereja do bolo. O investimento estadunidense em propaganda é ostensivo, não para um dia sequer). No capitalismo da informação, não só a propaganda é ostensiva, como também a vigilância e o controle das massas: 
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/34280/snowden+diz+que+eua+pediram+sua+execucao+.shtml

Com a percepção de que a informação é o ponto fundamental de toda a nova lógica capitalista, a Ciência da Informação surge não por coincidência logo depois da Segunda Guerra Mundial, passando a orientar, em boa medida, a política de estado norte-americana. O Google também é resultado direto dos estudos nessa área de conhecimento e até hoje quase ninguém sabe que existe essa tal de ciência da informação.

Bom, mas a quem tudo isso interessa? Um mundo capitalista é mesmo o que a maioria das pessoas deseja? Acontece que quem é rico acha hipocritamente que o capitalismo é o melhor que se pode ter, que não há alternativa, mas quem é pobre (a maioria) parece não achar isso muito certo. Não é à toa que na América Latina governos populares de esquerda vêm sendo eleitos democraticamente por essa maioria. É na América Latina e na África, mas também em países do Oriente, que o capitalismo tem mostrado historicamente toda a sua "bondade". A Europa ocidental agora também sente um pouco do drama capitalista na pele, mas nada se compara aos mais explorados. Há luta de classes em plano global (ver http://www.viomundo.com.br/denuncias/plutocratas-de-todo-o-mundo-uni-vos-a-guerra-agora-e-para-impor-a-austeridade-global.html).

Por uma teoria democrática realista

Afinal, o que é democracia? Na ciência política, infelizmente o mainstream das teorias democráticas ainda se ancora no pensamento de Joseph Schumpeter, para quem, para existir democracia, basta que as instituições democráticas funcionem. Isso significa indiferença à qualidade da formação de opinião que vai moldar os governos, basta que estes sejam eleitos pela maioria do povo. O grande mal-estar contemporâneo que se manifesta ao redor do planeta, em todos os cantos, está ligado justamente a esse erro. Por isso, é preciso trabalhar contra esse mainstream e buscar o primado de uma teoria democrática realista, que leve em conta o sentido moral de democracia, que é de emancipação humana, com o pressuposto de que nós, por nossa própria condição humana, somos dotados da capacidade de tomar as rédeas de nossas próprias vidas, de sermos autônomos, livres, ao invés de sermos os burros que carregam uma charrete com seus patrões em cima no controle.


A importância da mídia independente

Se quisermos defender a democracia, temos que defender a emancipação humana, o que vai no extremo oposto da manipulação da opinião popular que a gente verifica hoje em dia tão intensamente nos grandes veículos de comunicação, que destilam o pensamento único alienante. Temos que defender a verdade e livrá-la do estigma relativista absoluto, que anuncia que não existe uma verdade, mas várias verdades, porque toda verdade é relativa. Não é bem assim! O perspectivismo, isto é, a verdade encarada sob uma pluralidade de perspectivas, é uma coisa (e deve ser observado em uma democracia); outra, muito diferente, é o relativismo. A verdade existe e precisa ser encarada. Se você é liberal e acha que o capitalismo deve avançar, deve reconhecer que enxerga o mundo a partir de uma perspectiva ideológica, no conceito teorizado por Marx. Agora, para chegar aí, precisa ler não só Marx, mas ter contato com toda uma reflexão séria para entender o mundo em que vive. Mas se isso acontecesse, você teria consciência da realidade e mudaria de opinião. Aliás, por que será que todo cientista social e historiador que conheço é anticapitalista? Bom, é certo que há uma minoria desse grupo intelectual que é capitalista, mas aí a gente cai no conceito gramsciano de intelectual orgânico e... ah, isso fica pra outro post!

O fato é que a mídia independente é necessária à formação de opinião pública de qualidade, porque, em regra, não está atrelada aos interesses que manipulam a interpretação do mundo em favor da manutenção de um sistema econômico extremamente excludente, injusto, imoral e anti-emancipatório.

Contribui para a construção de um novo mundo, com outra configuração de poder, o poder realmente nas mãos do povo.


O que tudo isso tem a ver com a Ucrânia?

Já foi dito que há luta de classes em plano global. E, por falar em outra configuração de poder,  distribuí-lo o mais equitativamente possível entre os países, já que existem países, ao invés de concentrá-lo nos economicamente mais poderosos, parece um caminho importante para que o nó da democracia no século 21 finalmente comece a se desenrolar.

Mas é possível que se chegue até aqui sem entender o que tudo isso tem a ver com a Ucrânia – e o mundo agora –, o que pode ser reflexo da incompetência de quem escreve, ou algum tipo de deficiência/insensibilidade de quem lê. Quando isso acontece, melhor não insistir. Talvez possamos nos amar mesmo assim. 

2 comentários:

  1. Excelente texto! Mas como saber se estamos pensando livremente? Sempre somos influenciados, seja por Marx ou Schumpeter.
    Como compara esse caso da Ucrânia/EU ao do Tibete/China?
    Siga blogando!

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    1. Muito obrigada.

      Ser influenciado não é deixar de ser livre, muito pelo contrário! Na democracia ideal, todos os cidadãos teriam amplo acesso à informação, seriam muito bem esclarecidos e, portanto, receberiam as mais diversas influências até formar um pensamento crítico – livre nesse sentido. Acho que o grande "boom" que Marx causou às reflexões sócio-político-econômicas foi a demonstração de que é uma ilusão a proposição iluminista/liberal de que todos os indivíduos são autônomos porque dotados de razão. Marx denuncia que o pensamento de cada um é condicionado de acordo com a respectiva classe social a que corresponde uma ideologia, que é uma falsa consciência da realidade (ou seja, o pensamento não é absolutamente livre).

      Desse modo, concordo com você, caro Anônimo, quando diz que sempre somos influenciados. Sempre temos nossas idiossincrasias de acordo com os campos sociais nos quais nos inserimos. Mas nem sempre somos manipulados ou inconscientemente conservadores de uma ordem insana que conseguiu se estabelecer.

      Infelizmente, existe uma leitura muito vulgar de Marx, a leitura dos marxistas ortodoxos – hoje em dia uma espécie em extinção, ainda bem –, mas que estigmatizou o pensamento marxista e talvez por isso muita gente tenha preconceito com análises que se reportam a Marx, como se esse autor fosse considerado uma espécie de messias para os marxistas, seus "fiéis seguidores" (como em uma religião, ironicamente). Mas uma leitura bem feita de Marx é pressuposto à formação de um pensamento crítico, que é justamente olhar a realidade como que "de fora", se desapegar de visões de uma realidade inventada por outrem e conservada por nós de acordo com interesses nem sempre confessados, até por conta da inconsciência ou falsa consciência da realidade. "As armas da crítica" servem pra transformar o mundo e moldá-lo do jeito que realmente queremos.

      Então é isso, diria que pensar livremente é pensar criticamente. A Escola de Frankfurt foi emblemática nessa abordagem.

      Quanto ao caso do Tibete, nada posso dizer em relação aos conflitos internos daquela região e sua relação com a China; mas posso dizer que, se for possível superar essas questões e olhar o caso por uma perspectiva mais ampla de política internacional, de ordem econômica mundial, sou entusiasta do fortalecimento do bloco de países que fazem o contrapeso ao bloco dos "donos do poder" da ordem capitalista (EUA e Euro). Esse bloco de contrapeso é, hoje, liderado pela China, com seu comunismo atravessado pelas imposições do capital, mas resistente.

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