domingo, 21 de julho de 2013

Rio, você continua esquisito




Apesar das mudanças naturais e inevitáveis que a passagem do tempo proporciona, procuro guardar migalhas de sabedoria da infância – para mim, muito valiosas. Como Saint-Exupéry, acredito e levo muito a sério  o ponto de vista das crianças, que têm uma sensibilidade aguçada e uma capacidade ímpar de enxergar o que se passa ao redor sem o viés do costume. Por isso, faço questão de lembrar e conservar aquela visão de mundo que estranha coisas tidas como banais ou que os adultos dizem que "são assim mesmo". Talvez eu jamais tenha superado completamente a fase dos porquês, e isso até que me parece bem saudável. Muitos podem pensar: – ai, que mala!, mas, a quem não compreende ou interessa essa postura questionadora, passo a palavra ao Pequeno Príncipe: "tu não és um ser humano de verdade, tu não passas de um cogumelo." Voilà.

Hoje vou expor uma dessas coisas que nunca entendi quando criança e continuo sem ver sentido do alto dos meus 27 anos: não acho racional o modo como o urbanismo se deu na minha cidade, o Rio de Janeiro. Eu, pequena, queria sair por aí, conhecer, fazer amigos, explorar a natureza, correr e brincar. Mas estava confinada em um apartamento da zona sul, parte nobre do território municipal, de onde, a uma distância de um quilômetro, se via a maior favela do continente, a Rocinha. Havia um playground no meu prédio, mas nem sempre frequentado por gente interessante. E se um provável amigo estivesse na Rocinha? E se estivesse no condomínio ao lado? A vida segregada e tão proibitiva é muito esquisita.

E depois, para ir a outros bairros, eu tinha que pegar túnel. Quem fez os túneis não pensou que também pedestres podem querer transitar de um bairro a outro? Ou ciclistas? Por que não se planejou uma área onde todos pudessem passar? – perguntava-me e pergunto-me. E, se construíram uma cidade privilegiando o uso de automóveis, por que sequer há espaço suficiente para vagas de garagem na maioria dos edifícios? É tudo muito incoerente e nenhuma tentativa de justificação desse cenário urbano, que envolve inúmeros outros aspectos, me satisfaz. O modo como nossa paisagem artificial se engendrou só pode ser fruto de uma lógica anticoletivista ou de uma "inércia epistemológica", como se refere o urbanista Sérgio Magalhães sobre a falta de inovação em relação ao modelo modernista de Le Corbusier.

Não bastassem os erros de planejamento urbano que se fazem notáveis mesmo aos olhos de uma simples criancinha, o problema maior é: como corrigir essa burra configuração feita de cimento e concreto, sabendo-se que isso envolve a moradia de tanta gente? Como rearranjar eficazmente o espaço urbano sem violentar o direito adquirido e a própria dignidade das pessoas?  Derrubar tudo para refazer a cidade e reorganizá-la adequadamente está, claro, absolutamente fora de questão. Segundo Sérgio Magalhães, o urbanismo contemporâneo já concebe seu ideário de revisão do modernismo, porém seus valores ainda não participam das decisões políticas e empresariais majoritárias na produção das novas edificações e de novos trechos urbanos, de modo que as cidades continuam sendo construídas para o isolamento, nos impingindo uma vida que ainda está longe de ser livre de "catracas", no mais amplo sentido da expressão que diga respeito à livre circulação urbana. Assim, não obstante o prazer que sentimos ao passear por cidades bem conformadas urbanisticamente, continuamos a construir cidades espacialmente desestruturadas.

Ainda de acordo com Magalhães, não precisamos que as cidades sejam antigas (a exemplo de Paris) para delas desfrutarmos. Tampouco precisa haver privilégios: o espaço público de alta qualidade não exige a riqueza econômica ou o contraponto de outros mal compostos e anódinos. É que a qualidade não se apresenta pela antiguidade ou pela raridade, mas pela conjunção de fatores objetivos, tais como o modo como os edifícios se articulam entre si, o uso em diversidade que lhes é conferido, a escala que veem a compor, a configuração do espaço, a textura, entre outros elementos arquitetônico-urbanísticos, funcionais ou simbólicos.

É bonito imaginar como poderia ser. Mas, ao som das buzinas e dos motores, sob as sombras do concreto e da fumaça que nos cercam, continuo pensando aqui que enquanto continuarmos sustentando o atual modelo (hostil) de "organização" desta Cidade Maravilhosa, a quem puder,  fugere urbem.

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