segunda-feira, 1 de julho de 2013

Tecnologia e o sentido de liberdade

A relatividade da liberdade humana é um fato intransmutável, mas o conteúdo dessa relatividade, até há pouco, variava de cultura para cultura e de tempos em tempos, apenas. Agora, no entanto, neste mundo cada vez mais globalizado, novas ferramentas tecnológicas têm produzido uma fortíssima alteração no sentido de liberdade que nos tocará a todos, sem exceção, definindo uma inescapável condição de vida humana. A questão que fica é: até que ponto é possível alterar o sentido de liberdade sem que ela mesma fique ameaçada? Ou, até que ponto a liberdade só se relativiza, sem ficar comprometida? 
Por outro lado, observamos que enquanto o desenvolvimento tecnológico avança, as populações humanas não são pré-consultadas ou bem informadas sobre o lançamento ao mercado de certas inovações que, vendidas como impressionantes maravilhas, entorpecem o juízo de consumidores que sequer imaginam o pesado sacrifício de liberdade envolvido, tanto nas suas próprias vidas como nas das próximas gerações. Então, se vivemos em sociedade, a opção por sérias restrições à liberdade não deveria ser decidida coletivamente após uma ampla e profunda reflexão?

Internet
A internet é, hoje, uma realidade inegável. Arquitetada para não ser entendida, é usada pelo público sem que quase ninguém entenda os intestinos de seu funcionamento. De tanto que nos ajuda, nela inserimos dados, trocamos mensagens pessoais, manifestamos gostos/preferências etc. Tudo o que acontece em nossas contas bancárias está em rede e, enfim, toda a nossa vida vai sendo registrada e armazenada pelos vários órgãos de espionagem do planeta, sendo a Google o mais famoso deles. Na verdade, a Google não foi criada com essa intenção, mas acabou servil à CIA e ao governo dos Estados Unidos. Não se trata de paranoia, teoria conspiratória ou terror: é fato, basta se informar. A internet é o sistema panóptico mais eficaz que já se inventou. Se a rede tivesse sido arquitetada em moldes democráticos, na lógica do software livre e da criptografia, poderíamos ter os benefícios da internet, mas sem a violação de nossa privacidade/liberdade. Do jeito que está, somos reféns de um sistema de catalogação que exerce controle e vigilância sobre nossas vidas e que sabe mais de nós do que nós mesmos. Como já disse aqui, um pequeno grupo de pessoas espalhadas por vários países, os cypherpunks, trabalham em defesa da liberdade humana, entendida como a possibilidade de viver sem que ninguém lhe observe permanentemente e lhe coíba a partir da informação que tenha coletado a seu respeito. Fora os cypherpunks e os raros conhecedores da vida anônima na rede, todo mundo está sendo espiado. Será que essa situação simplesmente nos dá um novo sentido de vida em liberdade ou, efetivamente, nos tolhe a liberdade?

Brainet
O neurologista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha na Universidade de Duke, na Califórnia (EUA), vem desenvolvendo há décadas pesquisas cujos resultados já poderemos observar dentro dos próximos anos, coisas que pertenciam apenas ao mundo da ficção científica. Trata-se das descobertas sobre interfaces homem-máquina, a partir das quais, por exemplo, paralíticos poderão andar apenas ao vestir uma roupa especial; poderemos tocar – ou melhor, ter a sensação perfeita de tocar – a superfície de Marte sem sairmos de onde estamos; acessar a internet, dirigir carros ou pilotar helicópteros apenas com a força do pensamento. Parece fantástico. Conforme o próprio cientista aponta em seu livro Muito Além do Nosso Eu, também está em vias de concretização a brainet, isto é, uma espécie de internet que funcionaria entre os cérebros humanos, como telepatia. Para ilustrar, podemos visualizar uma pessoa conversando com outra a quilômetros de distância simplesmente através de pensamento, sem troca de palavras verbais ou escritas. Seria possível, inclusive, coibir comportamentos humanos só pelo pensamento.
Mas onde está o debate popular acerca disso? Por que a maior quantidade de informação possível sobre as pesquisas não é ventilada em grande escala para que as sociedades decidam se vão e se efetivamente querem conscientemente assumir os riscos das perigosas implicações das tecnologias panópticas antes de se verem completamente dominadas em suas tramas?
À lógica capitalista, por óbvio, não interessa conscientizar ninguém sobre os problemas existenciais advindos das inovações, cujo desenvolvimento é financiado como um grande investimento com o único objetivo de lucro. Portanto, é urgente que haja mais sensibilidade, coragem e ousadia por parte dos governos e da própria sociedade civil para cobrar explicações e garantias de proteção às liberdades antes que seja tarde demais. Tentar adaptar as legislações depois que o estrago se produz pode nem sempre ser possível, e, se for, parece muito mais custoso.

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