Quando falo do sonambulismo que
move o mundo, me refiro à impressão que tenho de que a maioria das pessoas parece
levar a vida sem estar acordada, apenas seguindo convenções e crenças sem
consciência, presa a um certo tipo de entorpecimento marcado pelo ego. Por isso
é que enxergo este nosso mundo, tal como tem sido, como um mundo-berçário, já que
predominantemente feito por quem sequer “acordou”, logo, por quem não tem nem
condição para um amadurecimento genuíno. De fato, acho raríssimo encontrar gente
madura e sensata por aqui. Há algumas pessoas, umas mais, outras menos, mas, ainda
assim, são como agulha no palheiro. Eu mesma não me considero madura, tenho
minhas vicissitudes, porém ao menos estranho a ordem estabelecida das coisas,
questiono e preservo a perspectiva crítica, o que já me parece um bom começo.
Amadurecimento é uma questão de
livre arbítrio. Ele não vem naturalmente com a idade, você precisa desejá-lo muito
e buscá-lo. E, como não há
amadurecimento verdadeiro sem desapego, o sofrimento faz parte desse processo, sendo
muito útil para nos livrarmos do ego. O amadurecimento depende necessariamente
do ego, pois só é alcançado com a sua superação, e todo esse processo é
sofrível. Aqui, acho que vale a pena a citação de Osho:
“E este é o ego: o reflexo,
aquilo que os outros pensam. (...) O verdadeiro pode ser conhecido somente
através do falso, portanto, o ego é uma necessidade. Temos que passar por ele.
Ela [a consciência] é uma disciplina. O verdadeiro pode ser conhecido somente
através da ilusão. Você não pode conhecer a verdade diretamente. Primeiro você
tem que conhecer aquilo que não é verdadeiro. Primeiro você tem que encontrar o
falso. Através desse encontro, você se torna capaz de conhecer a verdade. Se
você conhece o falso como falso, a verdade nascerá em você”. (Em: Além das fronteiras da mente).
Afinal, qual é a sua máscara?
Quais são as suas máscaras? Embora sem sentir, todos temos máscaras na medida
em que não nos descolamos de nossa imagem, do ego, a principal barreira à emancipação humana. Enquanto se tem uma imagem de si
mesmo, nunca se terá uma relação com o outro; as relações que você acha que
tem são fantasiosas. A individualidade sustenta as máscaras. No processo de
amadurecimento, em que o ego é necessário – e, por corolário, a alteridade –,
acredito que passar pelas mais diversas experiências seja contributivo, ajuda
na superação da fase egocêntrica. Isso me lembra vários exemplos, como a estória de um engenheiro brasileiro
que resolveu trabalhar por alguns anos como operário de uma fábrica para sentir
na pele a vida proletária. Isso me lembra, também, um ensaio de
Montaigne em que ele diz:
“Um único estilo de vida não é
viver, é ser. Não nos devemos apegar assim tão fortemente às nossas tendências
e temperamento. O nosso talento principal é sabermos aplicar-nos a práticas
diversas. O estar vinculado, e necessariamente obrigado, a um único estilo de
vida não é viver, é ser. As almas mais belas são as que têm mais variedade e
flexibilidade. Se me fosse possível, não haveria nenhuma forma, por melhor que
fosse, na qual eu quisesse fixar de sorte que não fosse capaz de dela me
apartar. A vida é um movimento desigual, irregular e multiforme. Não é ser
amigo (e muito menos senhor de si mesmo) deixar-se conduzir por si e estar
preso às próprias inclinações que não possa desviar-se delas nem torcê-las – isso
é ser escravo de si próprio. Digo-o neste momento por não me poder facilmente
desembaraçar da importunidade da minha alma, que consiste em ela normalmente
não saber se ocupar senão do que absorve, nem se aplicar senão por inteiro e de
forma tensa. Por mais trivial que seja o assunto que se lhe dê, ela logo o
aumenta e estica a ponto de ter de se empenhar nele com todas as forças. A sua
ociosidade me é, por esta causa, uma ocupação penosa e prejudicial à saúde. A
maior parte dos espíritos precisa de matéria de fora para se desentorpecer e
exercitar; o meu dela antes precisa para se acalmar e repousar – “os vícios do
ócio devem se dissipar com o trabalho (Sêneca) – pois o seu principal e mais
laborioso estudo é de si mesmo”. (Em: Ensaios
- De Três Espécies de Convivência).
Portanto, dá para compreender que
estereótipos, preconceitos, discriminações, paranoias e tudo o mais sejam desdobramentos
do necessário ego, mas, se quisermos realmente ser maduros, devemos ter muita coragem
e disposição para nos colocarmos no lugar do outro, ou melhor, “viver o outro” – a partir daí, damos um sentido diferente ao "outro". Além disso,
muita meditação, reflexão, vontade de crescer e de se entender no mundo, lembrando que, como disse Krishnamurti, não é sinal de saúde estar bem ajustado a uma sociedade profundamente doente. Conhece-te a ti mesmo.