sexta-feira, 21 de junho de 2013

3 fases do gigante

Os casos de ex-militantes de esquerda que viraram conservadores típicos com o avançar da idade sempre me pareceram amostras do que faz a fraqueza pessoal face à força da vida real que segue sua marcha como se estivesse invariavelmente alheia às nossas vontades de mudá-la democraticamente a partir da imaginação de mundos (melhores) possíveis. Observando esses exemplos, para mim, de fraqueza humana, sempre procurei reforçar meu voto de resistir contra as insanidades deste mundo, não importa o baque que eu sofra. No entanto, ainda que permaneça resistindo convictamente, confesso que, de ontem para hoje, finalmente consegui entender aqueles a quem atribuo a referida fragilidade ao ver a história se repetindo diante de mim como um ciclo vicioso ao qual estamos presos em um fluxo contra o qual nadar é cansativo e bastante sofrível.

O movimento pela redução das tarifas do transporte público urbano começou como uma daquelas brechas históricas em que a esperança lhe toca mais agudamente e você vislumbra a oportunidade de realização de sonhos derivados de um sonho básico e tão próprio das esquerdas: o despertar em massa das consciências. Mas, agora, apenas me restam a tristeza, o consolo e o orgulho de que fiz minha parte, lutei até onde deu. Com certo otimismo, espero que algum efeito colateral positivo disso tudo se sobressaia politicamente daqui para frente.
Após a noite de ontem, quando o pessoal representante de partidos políticos e de movimentos sociais e sindicais dos trabalhadores foi escorraçado das manifestações em todo o Brasil, enxergo a seguir 3 fases de todo esse movimento até agora:

1ª) O Movimento Passe Livre – MPL nasce no Sul do Brasil reivindicando o passe livre nos meios de transporte urbano e logo se espalha por outras capitais brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro. Com engajamento político e pauta de esquerda, seus integrantes são estudantes politizados, cada qual com sua preferência partidária ou não, e se orientam por uma agenda anticapitalista. Com o último aumento no preço das passagens de ônibus, em junho de 2013, convoca protestos pelas redes sociais que, como fagulha lançada à palha seca, se alastraram rapidamente por todo o país.

2ª) Os protestos ganham corpo e agregam, além do pessoal politicamente engajado, uma galera que se manifestava meramente como consumidora de serviços públicos insatisfeita, como já disse aqui, mas notadamente despolitizada. O caráter suprapartidário das manifestações acabou levando à entonação de “gritos de guerra” mais genéricos e pops na multidão, como “O gigante acordou”, em referência ao povo do Brasil, como se até então estivesse dormindo “deitado em berço esplêndido”. Se a intenção era celebrar a adesão incomum de cidadãos à causa, tudo bem, porém o coro tão repetido parecia jogar no lixo toda a luta dos movimentos sociais que sempre ocorreu no Brasil, mas que, ante a alienação da população e ao desdém da mídia, se passavam por invisíveis à grande massa que ora se incorporava a protestos pela primeira vez na vida. No início desta segunda fase, a grande mídia tentou classificar a ação do movimento como baderneira. Logo depois, vendo que a coisa tinha tomado uma dimensão tão grande, os mesmos órgãos de comunicação passaram a enaltecer uma espécie de “primavera brasileira”, como se a juventude brasileira estivesse fazendo uma “festa da democracia” e, a partir de então, passou a atribuir descaradamente em suas abordagens uma outra pauta às reivindicações, distinta da pauta inicial. Nessa manipulação, o calor das imagens impactantes ajudavam a transformar a série de protestos em espetáculo irresistível em cuja participação se associava um sentido genérico e assaz vazio de luta por um Brasil melhor contra a corrupção.

3ª) Na falta ou insuficiência de uma liderança que orientasse o sentido das manifestações, a pauta inicial foi se perdendo antes mesmo da vitória obtida com a redução do preço das passagens. Uma vez que isso se deu, o monstrengo gigante conservador já havia sido despertado, comeu toda a papa que a imprensa processou para ele engolir durante anos e aproveitou essa oportunidade para vomitá-la raivosamente nas ruas.  A agenda da direita passa a predominar cooptando a grande massa despolitizada a partir de um discurso moralista que lhe é peculiar. A ignorância generalizada se exacerba em uma histeria coletiva esquizofrênica com viés fascista.

Agora, vamos assistir as próximas fases do lado de fora e tirar lições.



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