terça-feira, 18 de junho de 2013

A paz que eu não quero

"A minha alma está armada e apontada para a cara do sossego
Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz é medo."
 
 
A mídia, com seu habitual ofício de lavagem cerebral, insiste em reiterar o mote antiviolência em relação aos protestos dos dias de hoje. E, como papagaios, muitos reproduzem a mensagem: "violência é vandalismo", "vandalismo não é democrático" etc., etc., etc.
 
No meio disso tudo, convém indagar: por que somente a violência física, manifestada, a força bruta, por que só esse tipo de violência é considerado violência de fato, ou uma violência que não se justifica? Por acaso desconsideram a violência psicológica, simbólica e opressora que a adoção do modelo de Estado-empresa perpetra contra nós? A eloquente expressão de agora nas ruas não é reflexo dessa violência silenciosa? 
 
Para mim, a violência manifestada nesses protestos é simplesmente a mesma violência tornada visível pela reação popular, já sem o resguardo dos véus da hipocrisia. É a violência outrora entubada que agora se projeta para fora e que, em certa medida, é libertadora. Excessos não são convenientes, mas tampouco acredito que segurar muito esta pulsão seja sinal de civilização. Violência por violência, prefiro esta, escancarada com o quebra-quebra de agências bancárias e dos demais símbolos de opressão do sistema (desde que preservada a integridade física das pessoas, que sempre merecem liberdade para continuar se expressando. A dor física inibe o engajamento em prol da liberdade, ao passo que a dor íntima pode ativá-lo).
 
Como vivemos em tempos de exacerbada "cegueira" (e o pior cego é aquele que nem sabe que o é), apelar para a explicitação da violência é uma espécie de "quer que eu desenhe?", uma reação natural ou um desabafo através de gestos que, consolidados em emblemáticas imagens, se mostram capazes de evidenciar o óbvio aos cegos de plantão. Pois é óbvio que somos cotidianamente violentados por viver em um mundo que já estava todo errado muito antes de a gente nascer e por nos depararmos com alternativas tão dificultadas de acesso aos mecanismos de sua transformação. É óbvio que somos violentados por uma lógica que nos obriga a viver em um mundo profundamente injusto, cruel e desumano -- e, por favor, não me venha negar isso. O pior problema da violência, como disse Hannah Arendt, é que você se acostuma com ela. O caráter desumano do sistema capitalista é violento demais e só porque se acostumaram a viver nessa truculência silenciosa e cínica não significa que ela não exista e que não possa ser eliminada.
 
Por isso, me nego a pedir paz ao movimento. Em geral, prefiro a violência manifestada, desde que democraticamente canalizada, do que a imanifestada. Violência entubada é uma paz entre aspas, aquela que eu não quero.

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